domingo, 8 de fevereiro de 2015

O mito do povo brasileiro como o "escolhido" do Coração do Mundo

ESSES SERÃO OS "LÍDERES" DO PLANETA, SEGUNDO CHICO XAVIER.

A "profecia" de Francisco Cândido Xavier de que o Brasil será a "nação mais poderosa do mundo" segue alguns argumentos que, à primeira vista, parecem maravilhosos e animadores, mas escondem o lado sombrio da supremacia político-religiosa que na prática irá desfazer todos os "alegres presságios".

Um desses argumentos é que os brasileiros são tidos como a "síntese dos vários povos do planeta". A partir da tese de correntes mais conservadoras da Antropologia, que vão desde Gilberto Freyre até intelectuais comprometidos com a bregalização cultural, povos diversos, como negros, indígenas e europeus se misturaram sem muitos conflitos, de maneira harmoniosa e feliz.

Sabe-se que isso não é verdade e que índios foram exterminados por bandeirantes, negros eram escravizados por senhores de engenhos e imigrantes italianos tinham que se sacrificar para conseguir algum emprego. A miscigenação ocorreu, mas não necessariamente de forma harmoniosa, a não ser em casos eventuais.

A visão um tanto utópica da "síntese do mundo", da aparente cordialidade dos brasileiros, o mito da hospitalidade e da alegria, é a fonte das argumentações que os "espíritas" brasileiros fazem do povo do nosso país, criando uma visão, de cunho claramente positivista, de que o Brasil comandará a "evolução" da humanidade planetária.

Portanto, o mito carrega qualidades positivas como a alegria, a generosidade e o caráter hospitaleiro. Acredita-se, levando em conta as "bondosas visões" de Chico Xavier, que com o Brasil promovido a nação poderosa iríamos espalhar solidariedade e harmonia para o mundo, pedindo para que o mundo dê suas mãos para nós. Tudo lindo.

O problema é que isso mais parece um conto-de-fadas. O "espiritismo", com suas contradições, também não esclarece muito com isso. Além do mais, há passagens racistas, contra índios e negros, em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, vistos como "degraçados" mas "merecedores da misericórdia divina".

Os negros eram vistos como "selvagens" e os índios, "puros de coração" ("ingênuos"). Ambos eram alvo da conversão religiosa dos jesuítas, elogiada pelo livro de Chico Xavier atribuído (tendenciosamente) a Humberto de Campos. Evidentemente, Chico Xavier teria que fazer seu elogio ao passado do seu mentor, o padre Emmanuel.

ESPÍRITO NÃO TEM PÁTRIA

A visão "missionária" do Brasil como "nação mais poderosa do mundo" não tem a menor coerência. Afinal, trata-se de uma visão que herda elementos do Geocentrismo medieval e da Doutrina do Povo Escolhido católica, traduzida pelo "movimento espírita" num engodo que mistura Astrologia e conhecimentos mal assimilados de Física, Astronomia, Geologia, Psicologia ou até Antropologia.

Mas isso tudo é apenas uma patriotada religiosa, que não vai trazer melhorias para o povo brasileiro. Muito pelo contrário, o conceito de "nação poderosa" e de "religião unificada" remetem a períodos bastante maléficos da história da humanidade, e não é preciso muito esforço para entender isso, apesar de ser uma constatação que choca a muitos.

Primeiro, porque a noção material de uma nação centralizada diz que o Brasil, segundo a pretensa previsão de Chico Xavier, será o "coração do mundo", o que é uma alegoria para um poder centralizado, já que a expressão "coração" é uma metáfora normalmente relacionada à ideia de "centro", de "comando".

Segundo, porque com a evocação religiosa dessa postura, a de "pátria do Evangelho", se voltará à velha teocracia católica da fase medieval do Império Romano, o que trará não só um poder centralizado e provavelmente coercitivo e dominador, mas um poder que, nessas condições, se apoia em motivações de caráter religioso e pretensamente divino.

Terceiro, porque o pretexto de que o Brasil será a "síntese do mundo" é uma declaração hipócrita, porque a retórica que fala em "união de todos os povos" e "integração de todas as crenças" esconde o processo da inculturação católica-medieval, que se baseia no princípio de "absorver para unificar, mas unificar para dominar".

O povo brasileiro, tido como o "povo escolhido", por conta do clima tropical e alguns estereótipos conhecidos do imaginário turístico, como a alegria, a festividade e a hospitalidade, é apenas um povo situado no contexto material de uma extensão de terras. Portanto, nada de perspectivas espiritualistas feitas à sombra da chamada constelação do Cruzeiro do Sul.

Não há povos escolhidos, e isso contraria seriamente os princípios de fraternidade e de diversidade, porque se estabelece tão somente um povo privilegiado. Isso não existe. Mais uma vez separa-se um povo que "merece ser poupado" e outros que "terão que ser eliminados", criando assim mais um processo de dominação política, religiosa e ideológica que poderá causar grandes danos no futuro.

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