quinta-feira, 23 de abril de 2015

A fraude das sessões de psicografia


Infelizmente, o "espiritismo" no Brasil se desenvolveu sem que estudos sérios sobre a Ciência Espírita possibilitassem técnicas confiáveis de mediunidade que permitissem um contato com os espíritos do além com o máximo de confiabilidade possível.

Tudo isso foi impedido porque o que se conhece como Espiritismo no nosso país se reduziu a ser uma espécie de genérico do Catolicismo em que conceitos medievais são herdados deixando de lado os aspectos mais coercitivos e acrescentando apenas as ideias de vida espiritual e reencarnação, além de alguns conceitos esotéricos.

Nada da Ciência Espírita foi devidamente aproveitado. Grupos ligados ao cientificismo de Allan Kardec já existiam pelo menos desde 1880, mas eles foram deixados à margem e estabelecem atividades paralelas ao grupo dominante (religiosista) sem obter apoio moral, logístico ou financeiro.

Portanto, não falta quem exerça corretamente a Ciência Espírita, com pesquisas associadas a outros ramos do conhecimento científico, como Informática, Comunicação e Física, mas são uma minoria discriminada e desprezada num meio em que a maioria dominante prefere o misticismo religioso.

Daí que a mediunidade no Brasil tornou-se uma prática corrompida e sem mérito de credibilidade, embora muitas fraudes sejam legitimadas e "confirmadas" até por monografias e pesquisas "científicas" (cheias de falhas em método e abordagem, apesar da pretensão de seriedade). Infelizmente muita gente vê autenticidade onde não existe.

E o que vamos relatar nas supostas cartas psicográficas, que faziam com que anti-médiuns como Chico Xavier recebessem milhares de pessoas para divulgar mensagens "do além", Um caso similar, referente a Carlos Baccelli, então amigo de Chico Xavier e também de atividades "mediúnicas" semelhantes, foi descrito pelo jornalista Marcel Souto Maior, então imparcial observador do "espiritismo" brasileiro, no livro Por Trás do Véu de Ísis:

"Pais e mães vindos de todo o país esperam a vez de conversar com Baccelli, antes da sessão, numa saleta miúda localizada ao lado do hall de entrada. 

É ali, atrás de uma mesa de madeira, que Baccelli atende os candidatos a receber uma mensagem do além. Estes encontros se sucedem a partir das cinco da manhã, uma hora e meia antes do início da psicografia. 

Durante as conversas, quase sempre ligeiras, Baccelli pede mais detalhes aos visitantes sobre seus entes queridos e as circunstâncias da morte. Informações como nomes de avôs e avós são anotadas por ele, muitas vezes, em pequenos pedaços de papel, levados mais tarde até a mesa do salão principal, o palco da psicografia. 

Quem organiza a fila é um carteiro aposentado de Uberaba, o seu Paulo, sempre simpático e dedicado. Ele se posiciona em frente à porta da saleta, que se fecha assim que cada visitante entra. 

Neste sábado, ele está preocupado com a família que veio de carro de Florianópolis em busca de uma mensagem do filho morto. Foram dezenove horas de viagem. 

O pai do jovem está na fila e recebe instruções solidárias do seu Paulo: 

— Capricha, hein? Conta tudo pro médium pra você receber sua mensagem. 

O pai entra sozinho na saleta e, para alívio do seu Paulo, fica quase três minutos lá dentro.

— Este deve receber a cartinha — prevê o ex-carteiro, agora encarregado da correspondência entre vivos e mortos. 

O seu Paulo quase nunca erra. 

[...] 

Uma das cartas chama atenção especial pela crise de choro provocada na platéia. Um choro profundo, desesperado, que começa com lágrimas e soluços e termina com berros, gritos de dor e de saudade.

Querido papai Manoel João, querida mamãe Maria Therezinha, Esqueçamos o acidente de que fui vítima. Imaturidade aos 23 anos de idade… 

Os avós são citados, com nomes e sobrenomes, entre detalhes sobre as circunstâncias da morte: um acidente de carro. 

Quando a sessão termina, aproximo-me da mãe, ainda aos prantos, ao lado do marido contido e tenso. 

Demoro a reconhecê-lo. 

É o pai de Florianópolis, instruído pelo solidário seu Paulo. 

Dona Maria Therezinha não tem nenhuma dúvida: o filho dela está vivo. 

O seu Manoel João responde antes que eu tenha tempo de perguntar: 

— Tudo o que está na mensagem eu contei para o médium lá na sala — ele diz".

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No caso Jair Presente, recentemente analisado em trabalho acadêmico recente, tentou-se desmentir a fraude alegando que as informações contidas nas supostas mensagens do espírito do jovem, que morreu afogado em 1974, eram "complexas" e "pouco conhecidas" até entre seus familiares.

A desculpa, porém, se revelou improcedente, quando comparamos duas das mensagens atribuídas a Jair Presente, em que diversas estranhezas foram constatadas. A primeira mensagem tem o habitual tom igrejista de Chico Xavier, mas uma das mensagens posteriores, lançada cinco meses depois, era excessivamente nervosa e forçadamente coloquial, e a narrativa lembra a de alguém drogado.

Se levarmos em conta a veracidade da autoria, ela cairia a equívocos, como um "sereno" Jair Presente da mensagem de março de 1974 (um mês após sua morte) e seu jeito "perturbado" da mensagem de agosto do mesmo ano, indicando um surreal retrocesso moral, grotesco e fora do contexto de aparente caridade de Chico Xavier e seus "benfeitores espirituais".

As informações "complexas" poderiam ter sido transmitidas em conversas informais. Não há apenas a entrevista ligeira, mas também outros contatos, e mesmo conversas sem qualquer compromisso serviçal, como o bate-papo entre familiares com membros de um "centro espírita" no final de cada doutrinária, também são usados para reforçar informações sobre espíritos de falecidos.

Todo um levantamento é feito, incluindo reportagens, telefonemas, e mesmo a intuição dos membros de um "centro espírita" envolvido servem para inventar a "psicografia". Mesmo informações sutis não são garantia de veracidade, porque elas podem vir da intuição ou de conversas de bastidores ou segredos colhidos em algum contato particular.

E isso aconteceu, sim, com Chico Xavier e seus colaboradores. As cartas de Chico Xavier não apresentavam as caligrafias dos falecidos, e quase sempre só tinha a caligrafia do anti-médium mineiro. Tudo era um simulacro e criava-se uma esfera de emotividade que deslumbrava os presentes a ponto de chorarem. Pieguice é uma ótima forma de enganar, seduzir e dominar as pessoas.

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