domingo, 5 de abril de 2015

Chico Xavier antecipou as mensagens apócrifas na Internet

HUMBERTO DE CAMPOS FOI UM DOS PRIMEIROS AUTORES A TER NOME USADO EM MENSAGENS APÓCRIFAS.

Recentemente, a revista Carta Capital publicou um texto de Menalton Braff, Agora Todo Mundo Tem Opinião, do qual descreve os problemas da democratização na Internet. Evidentemente ele é a favor da liberdade de opinião, mas isso não quer dizer que se legitime o valor de pontos de vista equivocados que contrariam os diversos contextos de realidade e conhecimento.

Menalton mencionou o mal da banalização do direito de opinião, que faz com que pessoas sejam forçadas a entender aquilo que naturalmente não sabem, criando um problema que é a falsa impressão de que alguém fica "mais inteligente" porque utiliza a Internet e que é capaz de cometer de erros grosseiros de ortografia até mentiras travestidas de verdades indiscutíveis. Eis o que ele disse:

"O mal que vejo, continuei, não está na enxurrada de opiniões as mais isso ou aquilo na internet, e principalmente com a chegada do Facebook. Isso sem contar a imensa quantidade de textos apócrifos, muitas vezes até opostos ao pensamento do presumido autor, falsamente presumido. A graça está no fato de que todos, agora, têm opinião sobre tudo.

(...)

O fato, em si, não tem importância alguma. O problema é que muita gente lê a enxurrada de bobagens que aparecem na internet não como opinião, mas como conhecimento. O Platão, por exemplo, afirmava que opinião (doxa) era o falso conhecimento. O conhecimento verdadeiro (episteme) depende de estudo profundo, comprovação metódica, teste de validade. Essas coisas de que se vale em geral a ciência".

Até parece que se falou de Francisco Cândido Xavier, que, décadas antes da popularização da Internet, se tornava um especialista em textos apócrifos, nos quais usava o nome dos mortos e se tornava bem sucedido com isso.

Esperto, Chico Xavier teve ao seu lado o apoio da Federação "Espírita" Brasileira, que construiu um mito que se sustenta na posteridade e que se tenta expandir para setores laicos e científicos da sociedade. Empurra-se o mito do "bondoso Chico", transformado em "profeta" e "cientista por acaso" e a ele são atribuídas as mais elevadas qualidades, como se ele fosse a síntese do "bom homem".

Mas Chico Xavier, ignoram seus seguidores, se promoveu com uma prática bastante leviana que é a de montar textos de sua própria mente, consultando de obras a especialistas literários e, no caso das cartas dos "familiares mortos", contar com a ajuda de colaboradores "espíritas" que consultaram "informalmente" os parentes dos falecidos para colher informações, mesmo as "mais complexas".

Hoje se observa na Internet a publicação e reprodução de textos apócrifos, atribuídos a autores que originalmente nunca escreveriam tais textos, que não passam de uma malandragem de internautas parecerem preciosistas lançando tais "exclusividades".

FILANTROPIA E PALAVRAS DE AMOR NÃO SÃO DESCULPAS

Pois Chico Xavier fez o mesmo que o internauta malandro que usurpa um ilustre nome literário para escrever, por criação da própria imaginação do anônimo digitador, uma mensagem supostamente erudita e pseudo-sábia, com sérios erros de linguagem e abordagem.

Em primeira instância, o falso texto de um autor - podendo ser Luís Fernando Veríssimo, Machado de Assis ou Clarice Lispector, mas também um outro cidadão comum, desafeto que o internauta quer espinafrar por discordar das ideias mesquinhas defendidas por este último - é publicado e reproduzido na Internet, enganando muita gente e comprometendo até pesquisas escolares sérias.

Depois é que surgem os alertas, nem sempre devidamente valorizados, mas que de um certo modo neutralizam a "unanimidade" da fraude bem-sucedida. Só que, dependendo da visibilidade do infrator e da complacência da Justiça, essas fraudes passam impunes, mesmo quando apresentam calúnias e apropriações levianas, como em certos casos de blogues ofensivos que a Justiça deixa passar, sob a desculpa de "brincadeirinhas" que durante muito tempo protegeu as práticas de bullying.

Felizmente, hoje se questiona mais o bullying e a apropriação indébita dos nomes geralmente inclui gente com alguma visibilidade, ou mesmo os cidadãos comuns encontram respaldo da lei e até de amigos para reprimir tais abusos. O uso fraudulento de nomes de autores para publicação de textos que eles nunca escreveriam tornou-se uma prática cada vez menos impune.

Só que Chico Xavier havia acumulado status suficiente através de estereótipos do "bom caipira" do passado e do "velhinho bondoso" de hoje, mitos que têm seu nível de hipocrisia, mas são aceitos confortavelmente pelas pessoas que veem nele a "pessoa mais evoluída do mundo".

Ele se apoiou pelas alegações de "filantropia" e pelas supostas "palavras de amor" que escrevia para que muitos fizessem vista grossa diante de suspeitas graves de fraudes e plágios que cercam as tintas de lápis ou canetas açucarados mas cheios de lodo de Chico Xavier. Tais desculpas, no entanto, não valem e nem devem valer para legitimar tais fraudes.

A VERDADE SOBRE HUMBERTO DE CAMPOS

Humberto de Campos não escreveu uma vírgula ou um travessão sequer de tudo aquilo que oficialmente se atribui ao seu espírito ou ao pseudônimo de "Irmão X". Tudo o que Chico Xavier publicou sob o nome do autor maranhense nunca passou de falsidade ideológica, por mais que isso fosse acobertado por pretextos de "mensagens positivas e confortadoras".

E tudo isso começou quando Humberto, ainda vivo, escreveu uma resenha em duas partes sobre o livro Parnaso de Além-Túmulo, com aquele humor caraterístico de seus livros deliciosamente escritos. Foi em 1932, no Diário Carioca.

Aparentemente, Humberto "reconhecia" que os textos atribuídos aos autores mortos se assemelhavam aos que eles fizeram em vida. À primeira vista, não dá para perceber se isso é ingenuidade ou ironia, mas, indo mais fundo ao senso de humor por vezes brincalhão do escritor, pode ser que a segunda hipótese seja mais possível.

O que se sabe é que a maior queixa que Humberto de Campos deixa escrita na sua resenha sobre Parnaso de Além-Túmulo é que os "autores mortos" iriam competir com os autores vivos e tirar deles o ganha-pão, usurpando os direitos autorais e os privando do êxito nas vendas.

Em todo caso, Chico Xavier não gostou da resenha. E aí resolveu se vingar. Alegou ter sonhado com Humberto de Campos, que "alegremente" reconheceu o "menino de São Leopoldo", em 1935, e pouco depois o anti-médium começou a publicar os primeiros trabalhos usando o nome do escritor maranhense.

Humberto de Campos foi um autor muito popular em seu tempo, tinha o prestígio que, nos últimos tempos, observamos, por exemplo, em João Ubaldo Ribeiro. E quem conhece a obra do autor maranhense, morto aos 48 anos em 1934, sabe que a obra atribuída ao seu espírito destoa drasticamente da obra original do escritor.

O estilo de Humberto era descontraído, elegantemente escrito mas em linguagem acessível, dado a eventuais tiradas humorísticas e uma narrativa fluente. Os temas se concentravam em fatos políticos e literários, do tempo presente em relação à vida do autor ou do passado histórico do Brasil.

Já o "espírito" Humberto de Campos mostra um estilo completamente diferente e até antagônico. A escrita é pesada, com vocabulário extremamente formal e culto, mas com linguagens escritas em tom melancólico e uma narrativa que, em que pese o uso de palavras eruditas, não é fluente. A temática é quase sempre religiosa, mas quando foge disso é por pura apropriação tendenciosa dos dados biográficos do autor.

É só ler os livros do Humberto de Campos original e os do "espírito de Humberto", despido de todos os preconceitos "positivos" da fé religiosa que a todo absurdo permitem, para perceber o disparate entre umas e outras.

Nem se sustenta qualquer tese que comprovasse a veracidade da autoria de Humberto, mesmo a aceitação da mãe, Ana de Campos, porque esta, movida pela emotividade e pela saudade do filho, não pôde discernir os aspectos diferentes das obras, até por não ser especializada em literatura.

Isso porque, por outro lado, os herdeiros - viúva e filhos - haviam sido mais vigilantes. Eles apenas não foram claros no propósito de seu processo judicial, já que pediam que a Justiça analisasse as obras do "espírito Humberto" para ver se elas eram verdadeiras ou não, e se caso positivo os direitos autorais fossem considerados para os herdeiros do escritor, cabendo a Chico Xavier e a FEB repassarem a renda pelos livros vendidos.

Isso deixou a Justiça desnorteada, naqueles tempos em que muitas coisas eram mal compreendidas, o ano de 1944. O resultado deu em empate, já que o processo foi considerado "improcedente" e nenhuma das partes teve ganho de causa. Mas o empate deu pontos para Chico Xavier que, sem obter vitória, teve vantagem simbólica no episódio.

E aí ele seguiu com seus inúmeros livros atribuídos aos mais diversos nomes. Chico Xavier foi o pioneiro das mensagens apócrifas, dessas que muitos espertinhos colocam na Internet, mas foi beneficiado pela mitologia que cerca o seu nome, já que, infelizmente, muitos insistem em acreditar que mensagens "fraternais" estão acima de qualquer critério de veracidade autoral.

Lamentavelmente, para muita gente ainda vale a ilusão de que, em nome do "amor", vale qualquer falsidade ideológica.

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