quarta-feira, 20 de maio de 2015

Em crise, "movimento espírita" tenta ação "equilibrada"


Chama a atenção a tentativa do "movimento espírita", diante de intensa crise, adotar uma postura de "equilíbrio doutrinário" que é defendida por algumas correntes tidas como "realistas", preocupadas com outras correntes que exploram o "espiritismo" e seus totens de maneira sensacionalista.

Isso lembra o auge e declínio do roustanguismo, na primeira metade da década de 1970, que causou a última grande crise no "movimento espírita" brasileiro, na qual, tendenciosamente, os "médiuns" Chico Xavier e Divaldo Franco fingiram aderir à fidelidade a Allan Kardec, forjando mensagens "espirituais" de Bezerra de Menezes nesse sentido.

Seja pelos textos de Chico Xavier ou pelo falsete de Divaldo Franco - numa tosca imitação dos velhos bonachões feitos pelo ator, comediante e dublador Orlando Drummond, popularmente conhecido como o "Seu Peru" da Escolinha do Professor Raimundo - , Bezerra supostamente reaparecia pedindo a "fidelidade" às obras de Allan Kardec.

Sabemos que isso não é mais do que papo furado. A infidelidade a Allan Kardec continua tão forte quanto antes. Chico e Divaldo quiseram apenas agradar lideranças genuinamente espíritas como José Herculano Pires, Jorge Hessen e Deolindo Amorim (pai do jornalista Paulo Henrique Amorim, do portal Conversa Afiada), e tudo ficou como estava.

MUDANÇA DE ATITUDE QUANTO A ROUSTAING

O que mudou foi apenas a postura da Federação "Espírita" Brasileira em relação a Jean-Baptiste Roustaing, antes defendido com entusiasmo, até mesmo no Pacto Áureo de 1949, depois defendido com desespero diante da crise de reputação do autor de Os Quatro Evangelhos, e, de 1975 para cá, descartado e aparentemente desprezado pela linha ideológica atual.

Na aparência, Roustaing virou uma espécie de "palavrão". Palestrantes "espíritas", quando o mencionam, o citam vagamente e de maneira "depreciatória", alegando que o roustanguismo era "uma corrente à parte" no "movimento espírita" e que havia sido expurgada diante de tantos problemas causados.

Isso é aproveitar a memória curta das pessoas. Você vai para o "centro espírita", e o palestrante fala que o roustanguismo era uma vertente "marginal" do Espiritismo, que tantos aborrecimentos causaram, e que foram feitas para desestabilizar a doutrina de Allan Kardec, sendo a "doutrina de Roustaing" um mal há muito superado.

Só que, se você, leitor, pesquisar o passado mais remoto do "movimento espírita", verá que a FEB sempre preferiu Roustaing a Kardec, e relatos de nomes como Herculano Pires explicam essa fase sombria que os "espíritas" são orientados a esconder.

Mesmo o médico Adolfo Bezerra de Menezes, ex-presidente da FEB e erroneamente conhecido como o "Kardec brasileiro" (o "mais próximo de Kardec" que o dr. Bezerra fez foi somente um livro abolicionista escrito numa abordagem simplesmente laica), passou a vida defendendo Roustaing em vez de Kardec, que ele achava "complicado" e "ultrapassado".

Daí o "arrependido dr. Bezerra", nas supostas mensagens espirituais forjadas pela pena de Chico Xavier e pelas cordas vocais de Divaldo Franco, criando um suposto equilíbrio "espírita" para os padrões de 1975, que não impediu que exageros fossem feitos nos últimos anos, a provocarem a atual crise que atinge o "movimento espírita" no Brasil.

FARRA SENSACIONALISTA

Atualmente, o "espiritismo" brasileiro viveu o deslumbramento da Internet e de correntes sensacionalistas, ligadas a abordagens que criassem uma imagem "fantástica" do movimento religioso, como forma de fazê-lo crescer acima de seus limites doutrinários e conquistar outros segmentos da sociedade, atraindo para si laicos, agnósticos e ateus.

Além de um descontrole editorial nos últimos anos em que havia supostas psicografias narrando "vidas espirituais" de Raul Seixas, Cazuza e até Getúlio Vargas, além de supostas (e risíveis) mensagens atribuídas a Renato Russo, vieram livros e abordagens que bagunçaram com o "movimento espírita", tendo sido o "Roustaing da vez". Até composição musical atribuída ao espírito de Ayrton Senna (?!) foi divulgada.

Uma enxurrada de romances ruins e supostamente psicográficos - houve até um que transformava um feminicida num "agente de resgates espirituais" que se torna "bonzinho" no decorrer do livro - , toscos dramalhões que mais parecem romances de ficção rejeitados pela quase totalidade das editoras existentes no mercado laico, passou a contaminar as livrarias "espíritas" e as estantes específicas nas livrarias laicas.

Vieram abordagens fantásticas que iam desde a risível atribuição de "pioneirismo científico" ao fictício espírito de André Luiz até a promoção de Chico Xavier a "estrategista político" devido à sua suposta "profecia" do sonho de 1969, eram feitas, assim como "façanhas" antigas como os espetáculos de suposta materialização, pivôs de antigas crises, eram divulgadas na Internet.

A farra sensacionalista estimulou toda uma sorte de questionamentos diante desses abusos cometidos pelo "espiritismo" brasileiro, criando a mais aguda crise que o "movimento" sofreu em sua história, depois dos casos Humberto de Campos, Amauri Pena, Otília Diogo e até a intenção de uma tradução fraudulenta das obras de Allan Kardec, que alteraria seu pensamento original.

Com isso, emerge uma nova tendência dos "espíritas" pedindo "moderação" como forma de dar sobrevida à combalida doutrina, tida como a "terceira força religiosa" do Brasil, desde que a FEB foi declarada oficialmente em 1960 por Juscelino Kubitschek como "instituição de utilidade pública", uma generosidade que deu um grande azar ao eminente político mineiro.

EQUILÍBRIO DE PROCEDIMENTO, NÃO DE DOUTRINA

Agora, através de lideranças como Orson Peter Carrara, o "espiritismo" brasileiro tenta voltar às "bases" de 1975, naquilo que seus membros entendem como "meio-termo" e "equilíbrio de conduta", sob o pretexto de recuperar na doutrina qualidades como coerência, simplicidade, rigor e precisão.

Evidentemente é um equilíbrio de procedimento, não de doutrina. O distanciamento do "espiritismo" brasileiro ao pensamento original de Allan Kardec continua tão intenso quanto nos tempos do mais apaixonado roustanguismo. O que se leva em conta, nessa nova tendência, é evitar os pontos polêmicos, mesmo os que aparentemente exaltam a doutrina e seus totens.

Essa corrente "realista" e "equilibrada" tenta limitar o "espiritismo" brasileiro a um receituário moralista, misturado com um misticismo religioso dosado, com ênfase nas suas ações de aparente filantropia e curandeirismo, abandonando pontos controversos.

Episódios como o sonho "profético" de Chico Xavier, as supostas materializações, o excedente de romances "espíritas" que fogem das "grifes conhecidas" e as aventuras "mediúnicas" que fogem do básico, fora as supostas narrações sobre pretensas vidas espirituais dos famosos, são descartados por essa corrente do "movimento espírita".

Esta limita a ver pessoas como Chico Xavier e Divaldo Franco como pregadores religiosos, vistos como "médiuns" dentro do limite de suas ações mais conhecidas e aparentes. Sem elevá-los a pretensos "cientistas" ou atribui-los qualidades excepcionais, a corrente "realista" do "movimento espírita" os situa dentro do limite do assistencialismo moral e da pregação da fé religiosa.

Dessa forma, o "movimento espírita" tenta apenas "limpar" os pontos mais polêmicos e escandalosos. Seus líderes alegam que isso irá retomar as bases kardecianas. Mas como eles não se identificam com o pensamento científico de Kardec, o que eles fazem apenas é criar um contexto de estabilidade, tornando o desequilíbrio doutrinário "palatável" e menos vulnerável às polêmicas.

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