sexta-feira, 10 de julho de 2015

Data-Limite, segundo Aldous Huxley


A ficção muitas vezes diz melhor sobre o futuro do que relatos supostamente realistas de movimentos religiosos, mesmo os que se apoiam numa pretensa racionalidade. Aliás, o "realismo" das obras religiosas, como nas de Francisco Cândido Xavier, é muitíssimo mais fictício do que as ficções científicas que trazem mensagens mais realistas, ainda que metafóricas ou subliminares.

Dois livros mostram esse realismo, e trazem uma previsão mais sombria do mundo pós-moderno, cada um à sua maneira: Admirável Mundo Novo (Brave New World), do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963) e 1984, do escritor inglês nascido na Índia George Orwell (1903-1950).

Vamos começar com Admirável Mundo Novo, que Huxley lançou no mesmo ano em que o "visionário" Francisco Cândido Xavier lançou um pastiche de coletânea de poemas, atribuídos tendenciosamente a poetas e personalidades falecidas, o constrangedor livro Parnaso de Além-Túmulo, uma obra "superior" que foi remendada cinco vezes em 23 anos (!).

O ano foi 1932, que os paulistas reconhecem como o ano da Revolta Constitucionalista, celebrada ontem, um movimento de oposição da Getúlio Vargas, então há dois anos no poder. Os constitucionalistas - que chegaram a ter um empresário do jornal O Estado de São Paulo como um de seus militantes - queriam uma nova Constituição Federal e a separação de SP do resto do país.

Seria a primeira "divisão" do Brasil, se levarmos em conta a dúbia argumentação da "profecia" de Chico Xavier? Conciliador, ele não queria o Brasil unido num só? Se bem que a "divisão" descrita em 1969 é risível, porque fala até que os eslavos, após a "catástrofe no Hemisfério Norte", deixariam suas regiões muito frias para viverem (ou morrerem) no calor do Nordeste.

Previsões em previsões, maior realismo está na ficção de Aldous Huxley, que imaginou uma sociedade "racionalista" que, em muitos aspectos, condiz ao Brasil da década de 1990. Digamos que, se George Orwell previu o Brasil da ditadura militar (embora 1984 fosse o ano da agonia do regime), Aldous Huxley previu o Brasil dos anos 1990. Isso em termos aproximados, embora no fundo o Brasil tornou-se uma mistura de um e outro nos últimos 50 anos.

A sociedade "racionalista" do livro de Huxley não possui ética nem valores morais, as pessoas são biologicamente e socialmente pré-condicionadas, há uma padronização de pensamento e desestimula-se o raciocínio questionador, o sistema educacional determinado pelo governo chega ao ponto de inserir nos bebês o desenvolvimento de fobia e pavor em relação aos livros.

As crianças não são geradas por ato sexual. Não existe amor nem estrutura familiar. Exercer o senso crítico era uma atividade proibida e considerada perigosa. As neuroses, dúvidas e inquietações eram dissipadas com o consumo de uma droga, uma espécie de pílula chamada "soma", que supostamente parecia não apresentar efeitos colaterais.

A sociedade descrita no "admirável mundo" era padronizada - Jaime Lerner, Eduardo Paes e Carlos Roberto Osório iriam adorar viver nele - e Huxley imaginou uma divindade denominada "Ford", tanto pela rima aproximada com "God" (Deus, em inglês) quanto pela referências ao fordismo e ao método da reprodução em série simbolizado pelo empresário dos automóveis Henry Ford.

No enredo, há um protagonista descontente com o sistema. Bernard Marx, em Admirável Mundo Novo, antecedeu, neste sentido, o Winston Smith de 1984. E se Smith ia para um antiquário situado em áreas miseráveis na Oceânia (o país central da obra de Orwell, que analisaremos depois), Marx conhece uma "reserva histórica" que, para os padrões de 1932, corresponde a um passado da humanidade.

A sociedade de Admirável Mundo Novo parece "menos cruel" que a de 1984. O Grande Irmão do livro de Orwell é um chefe-divindade da tirânica Oceânia. Ford é a divindade do Mundo Novo. O'Brien é uma espécie de co-chefe da Oceânia e coordenador de prisões, torturas e mortes. Mustafá Mond é uma espécie de chefe e intelectual que, para si, detém uma grande erudição cultural.

Em ambos os livros, observam-se sociedades padronizadas, das quais o pensamento único é lei. Ficamos imaginando, com o Rio de Janeiro afundado no provincianismo de deixar pasmos até pescadores do pantanal, o que seria a sociedade se expandisse a padronização visual já aberrantemente imposta aos ônibus para o âmbito social.

Na padronização de comportamentos e estereótipos do "mundo novo", Maria Júlia Coutinho não seria jornalista, mas uma porta-estandarte de escola de samba. Seria um horror a padronização de comportamentos e condições, uma grande catástrofe de preconceitos e castrações que desmascararia a suposta racionalidade do "padrão Jaime Lerner" se ele ultrapassasse o âmbito dos ônibus (palavra que vem do latim omnibus, "para todos") para o âmbito pessoal.

E ninguém imagina que muitos tecnocratas são retrógrados. Jaime Lerner era "filhote da ditadura", "aluno-modelo" da UFPR do reitor Flávio Suplicy de Lacerda - depois ministro do general Castelo Branco, prometeu criar uma entidade estudantil ligada à ditadura e privatizar as universidades públicas, acendendo a pólvora dos protestos estudantis de 1966-1968 - , político da ARENA, padrinho político do pai do repressivo Beto Richa.

No entanto, Lerner vende uma falsa imagem de "progressista", sendo considerado um "deus" por seus seguidores, diante da divinização de propostas e visões que não são tão socialmente benéficas como se imagina, mas adotam paradigmas "técnicos" que tentam justificar prejuízos como se fossem "sacrifícios necessários", dentro da noção religiosa-medieval de sacrifícios humanos em nome da fé.

A sociedade do Mundo Novo manipula corações e mentes tanto quanto a de Oceânia, mas sem uma violência aparente. Há uma suposta benevolência dos poderosos, uma analogia para a fria "hospitalidade" que se observam nos sisudos e quase autômatos "espíritos superiores" de Nosso Lar, a cidade imaginada por Chico Xavier.

Nosso Lar, o livro, é uma espécie de ficção científica ruim, que tenta, por isso mesmo, se apoiar na pretensão de ser um "relato realista" do que seria o "mundo espiritual". Existem até "estudos" sobre a suposta "cidade espiritual" e só falta ter uma linha nas Ciências Sociais brasileiras para ela, já que existem "espíritas" com setores específicos nas universidades de Juiz de Fora e São Paulo.

Bernard Marx encontra, na "reserva histórica" onde se situam os "selvagens", Linda, que foi oriunda da civilização, mas que foi expulsa dela por ter gerado um filho por vias biológicas, em vez da reprodução em incubadoras e a separação por "castas".

As "castas" são delimitadas em cinco, como grupos sócio-biológicos específicos. Tudo padronizado. Jaime Lerner, Eduardo Paes, Carlos Roberto Osório. Alexandre Sansão e seguidores ficariam com água na boca e adorariam servir ao Mustafá Mond e serem devotos do "deus" Ford.

As castas são Alfa, de cor cinza, Beta, de cor amora, Gama, de cor verde, Delta, de cor cáqui e Ípsilon, de cor preta. Todas dotadas de padrões sociais específicos e comprometidas apenas para o trabalho e a produção. Não existe monogamia, cada um pertence a todos e a vida é tomada a um só padrão de racionalidade e submissão ao poder.

O sexo existe apenas como entretenimento, assim como existe também a "vida noturna" - que a "novilíngua" da Oceânia de George Orwell perdeu de não definir como "balada", façanha só tardiamente feita por Luciano Huck (que o Grande Irmão adoraria tê-lo como colaborador do Ministério da Verdade) - , da qual a "soma" é um alucinógeno estimulante.

As noitadas que se tornaram a obsessão dos jovens brasileiros "médios" correspondem ao tipo de diversão que os "civilizados" do Mundo Novo faziam, e o consumo de "soma" seria uma alegoria do que os jovens pensam nas drogas, supondo nelas a "ausência" de efeitos colaterais.

A sociedade do Mundo Novo, como a da Oceânia, não admite a individualidade - os sociopatas reacionários das "midias sociais" na Internet, com seus exércitos de fakes, "piram" - , e os indivíduos não passam de integrantes de uma coletividade rigidamente planejada.

Em 1958, Aldous Huxley publicou uma coletânea de ensaios Regresso ao Admirável Mundo Novo (Brave New World Revisited), que correspondem à interpretação de muitos aspectos da obra de 1932 em relação às transformações sociais ocorridas depois de então, em especial relacionadas aos efeitos da Segunda Guerra Mundial.

Curiosamente, esse livro de ensaios foi produzido três anos após Chico Xavier lançar a edição "definitiva" de Parnaso de Além-Túmulo, ou seja, em 1955, depois de tantas reparações para um livro que se supunha uma mensagem "acabada".

Mas, em 1958, a produção desse livro de poemas já havia revelado um escândalo de fraudes, trazido pelo estranhamente falecido sobrinho de CX, Amauri Xavier Pena, que denunciou a farsa tomando como ponto de partida a criação da "antologia poética" de 1932. Admirável Brasil Novo.

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