sexta-feira, 31 de julho de 2015

O precário hábito de leitura dos brasileiros


O Brasil vive uma crise cultural que é um reflexo da degradação de valores trazida pela ditadura militar e da qual ainda não se recuperou. A recente onda de questionamentos e reações ainda é insuficiente para criar uma superação desse quadro degradante, principalmente se vermos que os hábitos culturais ainda são muito precários e medíocres.

Se nas mídias sociais o que predominam são assuntos como grupos ou cantores de pop adolescente convencional, sub-celebridades e fatos sensacionalistas, o que esperar do tipo de livro que essas pessoas se habituarão a ler?

Livros sobre vampiros e bruxas ou aventuras medievais, ou diários de blogueiras sem ter muito o que dizer, auto-ajudas com receitas fajutas de melhoria de vida e biografias de pessoas que obtiveram a fama sem qualquer esforço e com menos talento ainda.

A moda agora são também os livros de cachorros com nomes de músicos, que se tornaram a tendência ascendente da "boa literatura" do grande público. Tem até um intitulado "John & George", que, para o desespero dos beatlemaníacos que esperariam uma obra dedicada apenas aos finados guitarristas da banda britânica, fala apenas de um homem John e seu cachorro George.

Claro, antes que algum brasileiro tenha a ideia de usar um pseudônimo tipo Roberto M. Frejat para escrever um livro sobre seu adorável cão Cazuza, é bom deixar claro que o "espiritismo" também se insere nesse hábito de leitura num país em que até decadentes cantores dos EUA chegam aqui como se fossem as maiores maravilhas do planeta.

O único avanço foi que mais brasileiros passaram a ler mais livros. Livrarias passaram a funcionar quase como bibliotecas, pois os fregueses, desde que não levem seus livros para casa nem os danifiquem, são autorizados a lê-los integralmente dentro do estabelecimento, o que já é um progresso quando, há dez anos, havia pessoas com orgulho de nunca ler livros.

Só que esse avanço não se refletiu em qualidade. A maioria dos livros que chegam às listas dos mais vendidos são bobagens ou, quando possuem alguma qualidade, é em consequência de um autor famoso, um tema badalado e uma personalidade marcante, livros que conseguem unir apelo ao grande público com expressiva qualidade textual e abrangência e honestidade das informações.

"ESPIRITISMO" TEM PIOR LITERATURA

Que ninguém se iluda em inserir entre os livros verdadeiramente bons os livros da chamada "literatura espírita". Fora os livros de Allan Kardec - desde que pelas traduções de José Herculano Pires e Wallace Leal Rodrigues (no caso do volume O Que é o Espiritismo?) - , pouca coisa se salva e a maioria esmagadora são de livros extremamente ruins e confusos.

Desta literatura ruim, para desespero de muitos "espíritas" movidos pelo mais emotivo sentimentalismo, se inclui a totalidade dos livros de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, marcados pelo moralismo místico e pelo religiosismo mofado que, na verdade, já tem obras mais verossímeis de similar conteúdo na literatura católica.

Estes livros "espíritas" ruins se dividem entre uma infinidade de romances mal-escritos, dramalhões toscos e do pior moralismo. Uma obra chegou a tratar um feminicida, seu protagonista, como um "coitadinho". Tais obras soam geralmente como roteiros de novelas da mais baixa categoria e, embora de textos digestíveis e de fácil leitura, são piegas, desinteressantes e retrógrados.

Já os livros "mais elaborados", como os de Chico Xavier e Divaldo Franco, não deixam de ser ruins, porque eles requerem uma leitura mais pesada, são prolixos, confusos, imprecisos, e, quando evocam personalidades conhecidas, como Humberto de Campos e os poetas de Parnaso de Além-Túmulo, distanciam completamente do estilo original deixado pelos autores em vida.

Muitos dos livros de Chico Xavier têm erros aberrantes de informações históricas. Chico Xavier era um aluno medíocre de História, e ainda mais quando tentava avançar em outras áreas das Ciências Humanas, cometia verdadeiros desastres.

Só o livro Há 2000 Anos, ditado pelo espírito Emmanuel, uma grande série de erros e omissões históricas é descrito pelo renomado historiador Lair Amaro, da UFRJ, já a partir da duvidosa figura do "senador" Públio Lentulus, na verdade retirada de um fictício figurão citado na Epístola Lentuli, sem relação com seus homônimos. Esta "carta" nem o Catolicismo medieval via como autêntica.

Mas, para um Chico Xavier que desconhece que os povos eslavos povoaram o Brasil na Região Sul e em parte de São Paulo e atribuiu em sua "profecia" que eles povoariam o Nordeste, é notório o desconhecimento do sistema político do Império Romano e seu padrão de castas familiares.

Não se pode aceitar que tais livros representem "literatura superior" só porque trazem lições supostamente edificantes. Bondade e boas mensagens não justificam informações erradas, textos pesados e prolixos, verborragia barata e moralismo ultraconservador.

É evidente que muitas "boas famílias" e "brilhantes cidadãos" vão correndo comprar livros de Chico Xavier e Divaldo Franco em busca de "lindas lições de vida e de esperança", complacentes com todo tipo de erros, correndo o sério risco de se prejudicarem com informações erradas e com moralismo retrógrado.

É esse o leitor brasileiro que irá influir no tal "coração do mundo"? Que esclarecimento iremos esperar dessas pessoas, que juntarão valores conservadores, desinformação histórica e outras barbaridades para guiar a inteligência de nosso país? Serão eles a expressão dessa nova inteligência, desse esclarecimento brilhante e honesto? Nada disso.

Se eles são desinformados em História, isso já é suficiente para que seu nível de conhecimento seja precário e, portanto, acidentalmente desonesto. Isso porque a compreensão errada da realidade e dos fatos passados já faz com que sua percepção de mundo seja atrofiada e distorcida, e isso irá refletir no péssimo quadro intelectual que se terá no futuro.

Nós, aliás, já sentimos essa reflexão, com uma geração de antropólogos, sociólogos, cineastas, ativistas e jornalistas culturais que até pouco tempo atrás promoveram impunemente a defesa da degradação cultural do país, sob a desculpa do "fim do preconceito", apesar de seus gravíssimos preconceitos sobre as classes populares.

Daí que deveríamos repensar os hábitos de leitura e entretenimento no Brasil. Antes que mais um cachorro com nome ou sobrenome de algum músico famoso possa figurar nas listas dos livros mais vendidos e enfie seus resíduos fecais nas mentes de seus leitores.

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