terça-feira, 29 de setembro de 2015

Intelectuais e o "eugenismo" sócio-cultural brasileiro

HERMANO VIANNA, DO NAVEGADOR (GLOBO NEWS) E PEDRO ALEXANDRE SANCHES, DO BLOGUE FAROFAFÁ - "Cães-de-guarda" do mercado da decadência cultural patrocinado pela grande mídia.

Intelectuais deveriam ser feitos para questionar os descaminhos da cultura popular e denunciar formas de expressão caricaturais que exploram uma imagem depreciativa e estereotipada das classes populares, geralmente "higienizadas" para garantir mais consumismo e menos cidadania.

No entanto, eles agem em defesa absoluta, até mesmo neurótica, ao processo de decadência sócio-cultural, lançando mão até de grandes reportagens, documentários e monografias que atuem nesse processo de "eugenia" do patrimônio cultural brasileiro, separando as populações pobres de suas próprias heranças sócio-culturais.

Desde 2001, uma geração de jornalistas, professores, antropólogos, sociólogos, historiadores, cineastas, produtores culturais ou mesmo artistas autênticos mas dotados de inclinação elitista-paternalista às classes populares, passou a defender com unhas e dentes a decadência cultural brasileira, como se fosse um processo de "modernização" e uma "nova expressão" dentro do que eles entendem como "diversidade cultural".

São intelectuais que haviam sido treinados quando o status quo acadêmico, político e midiático estava nas mãos de intelectuais do neoliberalismo sócio-cultural, como Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Sérgio Paulo Rouanet, Gilberto Velho e José Serra e que apenas por uma ironia das circunstâncias tentou se vincular tendenciosamente ao esquerdismo intelectual brasileiro.

Pessoas como Hermano Vianna, Paulo César Araújo, Denize Garcia, Pedro Alexandre Sanches, Eugênio Arantes Raggi, Ronaldo Lemos, Milton Moura e tantos outros comungam com os interesses dos grandes donos do mercado e dos chefões da grande mídia, mas eles, com exceção de Hermano e Ronaldo, fingem não terem vínculo com tais senhores e até ensaiam uma falsa oposição a eles.

Pedro Sanches, por exemplo, havia sido um dos astros do Projeto Folha, da Folha de São Paulo. Era um projeto bolado por Otávio Frias Filho (um dos maiores aliados de Fernando Henrique Cardoso, que exercia a Presidência da República) que eliminava o pensamento de esquerda de suas redações e transformava o jornalismo num trabalho mais simplório e mercadológico, com textos mais curtos e menos reflexivos.

De repente, após uma passagem em O Estado de São Paulo, Pedro Alexandre Sanches - que, segundo analistas de seu trabalho, defende ideias inspiradas no pensamento do historiador Francis Fukuyama, de cuja associação Pedro nunca assumiu ter - , se encanou em ser "intelectual de esquerda", pegando carona em ativistas sociais e se infiltrando em veículos da mídia esquerdista.

Enquanto fazia falsos ataques ao status quo midiático e aos "vilões" da moda - podendo ser o jornalista Ali Kamel, o senador Aécio Neves, a atriz Regina Duarte ou o deputado Eduardo Cunha - , Sanches defendia, com os preconceitos trazidos da Folha de São Paulo, uma "cultura popular" estereotipada e meramente mercadológica, patrocinada pela mesma grande mídia que Sanches finge se opor, mas da qual parece agir como um colaborador free lancer.

Enquanto ele defendia como "bolivarianismo cultural" figuras ideologicamente assépticas e meramente comerciais como Zezé di Camargo & Luciano, Banda Calypso Valesca Popozuda e MC Guimê, Sanches se esquecia que todos eles iam comemorar seus louros abraçados aos mesmos barões da mídia de cujo meio Aécio Neves e Ali Kamel são considerados "heróis".

Sanches tentava criar um vínculo surreal entre a bregalização que atinge a cultura brasileira e alimenta as fortunas de donos de rádio ligados ao coronelismo econômico e político - vários deles são ligados a latifundiários regionais - e o Tropicalismo, como se compartilhasse de certos ideólogos do establishment que estiveram em moda nos tempos do "milagre brasileiro".

Outros adotam uma postura parecida. Hermano e Ronaldo, integrantes do programa Navegador, da Globo News, são poucos que assumem o vínculo midiático. A maioria tenta fingir oposição, seja um Eugênio Raggi que escreve nas mídias sociais com o mesmo estilo de Reinaldo Azevedo, seja Denize que, como Pedro Sanches, foi cria do corporativismo midiático (ela veio da Rede Brasil Sul).

Essa falsa oposição é apenas um mimetismo ideológico que se complementa à pretensa objetividade com que tentam pregar a defesa da bregalização cultural (que reduz a cultura brasileira a formas estereotipadas e caricaturais, não raro "americanizadas", em prol de interesses de mercado), dando um aparato "progressista" e "científico" às suas pregações ideológicas.

Muitas falhas de abordagens são dissimuladas com uma retórica que tenta se opor às ideias apresentadas. Se, por exemplo, o "funk carioca" demonstra abordagens racistas e machistas das classes populares, seus ideólogos camuflam essa realidade alegando que o ritmo "combate" tais qualidades negativas.

O próprio "pagodão baiano", manifesto pelo grupo É O Tchan - cujo sucesso "Segura o Tchan" tem uma estrofe inteira fazendo apologia ao estupro - , que na Bahia trabalhava a imagem do negro como um "tarado abobalhado", é também reflexo desse quadro. O ritmo baiano forneceu os aspectos "eróticos" depois trabalhados pelo "funk" no Rio de Janeiro, como a famosa "dança da boquinha da garrafa", relançada pelo ritmo carioca como sendo "coreografia etnográfica".

Os ritmos derivados da bregalização, como o próprio "brega de raiz" (Waldick Soriano, Odair José, Amado Batista, José Augusto) e outros como o "sertanejo", "pagode romântico", "forró eletrônico", axé-music e o "funk carioca", apresentam algum grau de "americanização", quando influências estrangeiras são introduzidas por fins mercadológicos e sob imposição do coronelismo midiático.

Os ritmos - que consistem na chamada música brega-popularesca, termo quase inexistente na grande imprensa ou mesmo nos meios acadêmicos, mas muito difundido na Internet - também apelam pela baixa qualidade artística, pela adesão tardia a modismos ultrapassados e por uma visão caricatural das classes populares, como se as periferias fossem Disneylândias cheias de lixo, buracos e casas mal construídas e ainda sob tijolos "nus".

A idealização intelectual dessas periferias adocicadas é ainda reforçada com uma visão paternalista de "progresso artístico-cultural", que fez com que nomes como Alexandre Pires, Belo e Chitãozinho & Xororó, do cenário brega da Era Collor, virassem "arremedos de MPB" se apoiando de formas pasteurizadas que as grandes gravadoras faziam da MPB autêntica nos anos 80.

Era uma visão paternalista que dava a impressão de que os bregas só "progrediam culturalmente" quando estavam sob o respaldo quase unânime da intelectualidade e do público elitista, e criavam uma visão contraditória que esses ídolos comerciais só eram "verdadeiros artistas populares" quando recebiam o reconhecimento de um público mais elitista.

Nenhum desses artistas consegue assimilar ou reproduzir o rico patrimônio cultural que o Brasil acumulou com tanto sacrifício. Eles são apenas ídolos comerciais, feitos para o sucesso imediato e provisório, como mercadorias musicais ou comportamentais (nos casos das "musas" siliconadas, das antigas "garotas da Banheira do Gugu" às peladonas e ring girls de UFC brasileiras) cujo "aprimoramento" é sempre feito por algum apoio paternalista das elites.

Enquanto isso, o povo pobre é abordado pelos seus próprios ídolos de maneira caricatural e nem de longe autêntica. Mas a pregação ideológica intelectual, com sutileza, tenta legitimar valores bastardos, para alimentar o mercado e manter em evidência os ídolos "populares", porta-vozes dessa estereotipação cultural, prolongando suas carreiras o máximo que for possível.

Dessa maneira, a cultura brasileira é empastelada. O mercado cria seus ídolos caricaturais que, não raro, expressam sutis preconceitos sócio-culturais. A intelectualidade faz blindagem e diz que esses ídolos representam a "luta contra o preconceito", apesar desse preconceito vir dos próprios ídolos e daquilo que eles expressam.

Com isso a cultura brasileira, a verdadeira, ligada a princípios sociais, é marginalizada, quando muito virando artigo de museu ou objeto de apreciação de elites nostálgicas, estudiosas ou paternalistas. Já a "cultura popular" caricatural, estereotipada e mercadológica, prevalece no gosto popular sob a desculpa da "ruptura do preconceito", enquanto a alegre tese do "mau gosto"defendida pelo lobby intelectual revela, em si, um gravíssimo preconceito.

Não é por acaso que os críticos da bregalização definem esses intelectuais "sem preconceitos" como cruelmente preconceituosos. É porque essa campanha pela bregalização é, na verdade, um processo de eugenismo sócio-cultural, "limpando" as classes populares de seu potencial crítico e mobilizador e reduzindo-a a submissos consumistas e apreciadores de formas colonizadas e conservadoras de entretenimento.

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