sábado, 12 de setembro de 2015

O pior do retrocesso que atinge o Rio de Janeiro: a indiferença do povo

MORADORES BUSCAM ABRIGO CONTRA TIROTEIOS NO COMPLEXO DO ALEMÃO. PARA ALGUNS CARIOCAS, ISSO É "PIADINHA CORRIQUEIRA".

O que faz a doença se tornar mais grave é a ausência de seu diagnóstico para identificar o mal e buscar uma solução. A negligência muitas vezes traz muito mais prejuízo do que reconhecer algo gravíssimo, fingir que tudo está bem quando tudo vai mal é o pior dos prejuízos, mais do que admitir qualquer um destes.

A crise que ocorre no Estado do Rio de Janeiro, consequência de seus sucessivos retrocessos - que se tornaram mais intensos nos últimos cinco anos - , tem seu aspecto ainda mais grave e preocupante pelo fato de que cariocas e fluminenses parecem indiferentes em relação a tais problemas.

"Vocês estão exagerando", é a reação comum. Há alguns que, forjando alguma visão "mais objetiva", argumentam que "erros e desastres sempre houve no Rio, mas dizer que ele está decadente não tem o menor sentido". Mas, por incrível que pareça, a tese do retrocesso nem de longe é um exagero.

Ver como "fatos normais" a eleição de pessoas autoritárias como o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o bravateiro Jair Bolsonaro, porque nada faz atrapalhar o sol e o calor das praias cariocas, é de uma ingenuidade ímpar. Hoje existe até um projeto de apartheid social nos bairros cariocas, com o fim da ligação por ônibus entre a Zona Norte e a Zona Sul e o pessoal vai dormir feliz tranquilo.

E não se tratam só das balas perdidas nas áreas de UPPs, nos bueiros explosivos de Copacabana e do Centro, dos trens lotados que enguiçam no caminho, nos assaltos a faca que surpreendem e matam cidadãos. A situação é grave até mesmo nas coisas impostas como "positivas" por conta das autoritárias autoridades cariocas.

Se existe pintura padronizada nos ônibus, a confundir os passageiros, ou se o mercado impõe uma caricatura de rádio de rock chamada Rádio Cidade, a tratar o público roqueiro como um bando de idiotas consumistas, é porque o retrocesso no Rio de Janeiro chegou a esse ponto, diante da crise educacional, da corrupção midiática, da prepotência política e da tirania do crime organizado.

Tudo isso transformou o povo carioca e fluminense numa multidão de pessoas em parte desinformadas e submissas, em outra parte narcisistas e arrogantes. A desinformação é geral e o que se vê é a arbitrariedade de uma minoria decidindo até como vai ser o lazer de uma maioria, de forma preocupantemente fascista, sádica e sarcástica, embora às vezes sob um discurso dócil e milhares de boas desculpas.

A desinformação é tanta que não adianta dizer, quando se questiona a pintura padronizada nos ônibus, que a identidade visual de cada empresa é fator necessário para a transparência do sistema. O que é identidade num contexto em que a maioria das pessoas nem sabe direito quem é ela própria e cada indivíduo se configura numa multidão de fakes a povoar as mídias sociais?

Da mesma forma, não adianta dizer que a Rádio Cidade não adota estilo nem linguagem de rádio de rock e não possui pessoal especializado no gênero, se o que é estilo e linguagem para pessoas sem consciência de si próprias e sem noção de competência, em que até hospitais mostram médicos que não sabem diagnosticar direito as doenças dos pacientes a serem atendidos?

O Rio de Janeiro que antes era referência de modernidade e progresso no Brasil está em frangalhos. Não é apenas uma "crise natural" que atinge de forma rotineira a Cidade Maravilhosa e seu Estado. Não se trata apenas daquela marchinha da "cidade que seduz" onde de dia falta água e de noite falta luz. A situação de hoje é calamitosa, a incompetência atinge o ramo cultural, midiático, o próprio lazer dos cariocas.

E ver que eles estão indiferentes a tudo isso é assustador. Pessoas parecem "felizes demais" nas ruas do Grande Rio, como se ainda vivessem nos Anos Dourados e todo desastre que ocorre na região é apenas uma "piadinha corriqueira", como todo problema visto como "coisa menor".

Pessoas vão para os centros comerciais com seus celulares brincando de WhatsApp e procurando coisas as mais inofensivas possíveis, fugindo da realidade. Isso quando não compram livros para colorir, que chegam a liderar as listas dos livros mais vendidos, um caso aberrante de livros sem textos liderando mercado que deveria ser para bons textos. Será que as pessoas vão ler menos, ocupadas em colorir infantilmente desenhos banais?

A pior cegueira é daquele que não quer ver. E isso faz com que a crise que passa o Estado do Rio de Janeiro, com um retrocesso que o coloca ao nível dos piores Estados do Norte e Nordeste, se agrave cada vez mais, com o silêncio e a indiferença de seu povo.

Foi assim que os moradores de Troia foram surpreendidos com a invasão de soldados de dentro do belo cavalo de madeira. Foi desta maneira que Pompeia e Herculano foram soterradas pelas lavas e pedras do vulcão Vesúvio. Foi desse modo que a França do chauvinismo e da Belle-Èpoque chegou a se tornar um Estado nazista governado pela Alemanha. O Rio que elegeu Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha pode revelar novas tragédias. Melhor se preparar para o pior do que ser vítima dele.

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