terça-feira, 20 de outubro de 2015

"Espiritismo" e a confusão das pretensas profecias


Onde há muita confusão, a coerência não encontra morada. Apesar dessa máxima lógica, o "espiritismo" insiste em ser a morada da coerência, quando o que mais se vê é um festival de confusões sérias e graves, que um exame consegue identificar sem muito esforço.

Os "espíritas" se desentendem, dizem e desdizem, fingem ser porta-vozes dos mortos, fazem mistificação fantasiada de ciência. Só o grande repertório de irregularidades daria um xeque-mate nesta doutrina, que Allan Kardec reprovaria num piscar de olhos, mas que juristas, advogados e acadêmicos no Brasil ainda encaram sob o clima da complacência e da temeridade.

Passados 71 anos desde que juristas não entenderam o propósito do caso Humberto de Campos, com herdeiros mais hesitantes do que o advogado Milton Barbosa - que prontamente identificou aberrações nas obras atribuídas ao espírito de Humberto, inclusive cacófatos (tipo "que cada / quicada", "chama Maria / mamária"), que o escritor nunca iria escrever - , tudo ficou na mesma.

Afinal, de lá para cá o mito de Francisco Cândido Xavier cresceu tanto que é uma luta até mesmo para desvincular qualquer apreço a ele nos esforços de recuperar as bases originais do pensamento de Allan Kardec. Sim, isso mesmo: há quem acredite que se possa aproveitar alguma coisa de Chico Xavier quando recuperarmos o cientificismo original do pensador francês.

Pessoas que pensam assim não sabem o que fazer com Chico Xavier. Ficam cheias de dedos. "Ah, mas ele foi uma pessoa bondosa", se limitam a dizer. Aí, por eliminação, até admitem rejeitar as obras com o crédito de Emmanuel, claramente antidoutrinárias, mas não sabem mesmo que livro vão aproveitar. Aí se contentam a mostrar apenas frases bonitas, e só.

Claro, é muita confusão, muita incoerência, e mesmo muita insegurança. O que é lamentável, na verdade, é ver que o "movimento espírita" vem com coitadismo, choramingando ao dizer que está sendo vítima de "campanhas maliciosas", de "ataques violentos" contra sua "missão de paz", de "intrigas" contra o "trabalho pelo próximo" etc.

O que fizemos é mostrar contradições, pesquisar, investigar. Não inquirimos como fazia a Inquisição medieval, porque esta questionava o conhecimento em favor da fé, e nós questionamos a fé em favor da lógica, do conhecimento. O "espiritismo" é que finge se opor ao Catolicismo medieval mas apenas se opõe a exageros e excesso de pompa, apenas por questões estratégicas.

A confusão "espírita" chega mesmo a criar uma "torre de Babel" entre eles próprios. Uma religião que fala em "harmonia" e "entendimento" tem Chico Xavier e Divaldo Franco às vezes divergindo seriamente. Chico achava, por exemplo, que Marechal Deodoro reencarnou no hoje senador Fernando Collor. Já Divaldo acreditava que o marechal permanecia no mundo espiritual.

Vem Geraldo Lemos Neto, "espírita" exemplar, feliz da vida dizer que conversou com Chico Xavier e este lhe revelou um sonho no qual o mundo passaria por violentas transformações para abrir o caminho para o Brasil se tornar o tão sonhado "coração do mundo" e "pátria do Evangelho".

Aí vem Ariston Teles, "espírita" exemplar, feliz da vida mostrar que agora "recebe Chico Xavier" através da (suposta) psicofonia, e divulga, com seu falsete, uma mensagem em que o suposto Chico desmente a "profecia" da "data-limite" e ainda faz uma crítica ao livro que Geraldinho havia lançado, Não Será em 2012, sem mencionar o nome da publicação.

No primeiro time, Divaldo Franco, o amigo de Chico Xavier, adorador da tese das "crianças-índigo", metido a prever as coisas como um astrólogo posando de intelectual. No outro, Eurípedes Higino, o "filho" de Chico, cauteloso a respeito de assumir atribuições tão fantásticas assim, embora aceitasse a tese delirante de Ariston de que Chico "teria sido Allan Kardec", tese por definitivo inconcebível.

A religião que prega a "união" e a "solidariedade" tem dessas coisas. E a confusão se volta quando há tentativas de prever o futuro, um passatempo que faz os "espíritas" se deleitarem em animado recreio, enquanto anunciam pretensas profecias com datas fixas, como quem quisesse fazer uma aposta para uma corrida de cavalos.

E aí houve previsões "proféticas" para 1952, 1970, 1982, 1990, 2012 e agora tem a de 2019. Deve ter mais por aí. Só o "renomado" Divaldo Franco se atrapalha, sem dizer se a humanidade se regenera desde 2012, ou se o período é demorado. Ele tenta nos fazer crer que a Terra se regenera, mas depois diz que demorará muito para se regenerar.

As contradições são muitas e muitas. Num momento, dizem que a transformação chegou. No segundo, dizem que ela demorará. Num instante, dizem que atingimos a etapa de solidariedade e paz, noutro dizem que os conflitos ainda sangrarão a Terra. Assim não dá para entender direito o que é. Antes não dessem sequer pitacos como essas "profecias".

Além do mais, Allan Kardec reprovaria tudo isso, porque ele nunca acreditou em datas fixas. Coerente, ele sabe da natureza imprevisível da humanidade e do próprio meio em que vive. E sabe que decisões se atropelam e se impulsionam constantemente, sem um caminho previamente definido.

Faz sentido essa contradição que os "espíritas" têm em tentar prever as coisas. E isso traz uma grande lição: a de que essa religião é confusa e contraditória até mesmo na hora de tentar imaginar o futuro, em que dóceis esperanças da fé entram em colisão violenta com a realidade complexa que acontece.

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