sexta-feira, 20 de novembro de 2015

José Bonifácio, abolição e o ufanismo "espírita"


Há muita fantasia na história do "movimento espírita" e, relacionada ao final do Segundo Império, muitos dados nebulosos e mistificadores cercam não só personalidades "espíritas", como também figuras políticas conhecidíssimas, como o imperador Dom Pedro II.

No que se refere à abolição da escravatura, que no fundo não foi mais do que uma iniciativa inócua que só causou o desequilíbrio social que gera efeitos até os dias atuais, o "espiritismo" faz a maior festa, e até hoje investe em uma mitificação que nem os historiadores defendem mais.

Até hoje o 13 de Maio de 1888 é coroado pelos "espíritas" como uma "data crucial" para o que acreditam ser o início de um "novo tempo de fraternidade e luz". Com um deslumbramento que chega ao ponto do patético, os "espíritas" até hoje exaltam a Princesa Isabel, Dom Pedro II e outros figurões, sobretudo o próprio dirigente "espírita" Adolfo Bezerra de Menezes.

Há que se admitir que o livro A escravidão no Brasil e as Medidas que Convém Tomar para Extingui-la sem Dano para a Nação, que dr. Bezerra lançou em 1869, é um bom trabalho, com ideias válidas para eliminar a escravidão. No entanto, isso não faz Bezerra um grande líder abolicionista, até porque, fora de sua religião, seu papel histórico é considerado menos expressivo.

Não bastasse as atuações de nomes como José do Patrocínio e os irmãos André e Antônio Rebouças, os três negros emancipados, e de nomes como Joaquim Nabuco, terem sido mais viscerais, ainda no primeiro quartel do século XIX a figura de José Bonifácio de Andrada e Silva, estadista do Primeiro Império, é bastante expressiva na sua posição abolicionista.

Conhecido como o Patriarca da Independência - foi José Bonifácio que estabeleceu os acordos parlamentares que consolidaram a emancipação política do Brasil, não um Dom Pedro I montado num burrico e seu "grito no Ipiranga", que foi apenas um ato simbólico -  e habilidoso articulador político, de atuação considerada arrojada para a época, o estadista já se manifestava a favor da extinção da escravidão.

Naquela época, cerca de 1823, o Reino Unido já pressionava para o Brasil abolir o trabalho escravo, mas o lobby que grandes proprietários de terras tinham na sociedade, influenciando até os intelectuais da época, impedia que alguma coisa fosse feita nesse sentido.

José Bonifácio tinha uma visão de mundo considerada contemporânea no seu tempo, uma época em que as pessoas levavam tempo para perceber as necessidades e demandas da vida moderna. Bem intencionado, ele não podia no entanto realizar a Abolição, porque a pressão dos grandes fazendeiros, o "empresariado" do Brasil na época, era muitíssimo grande.

Sabemos que o trabalho de libertação dos negros escravos sempre foi gradual, paliativa e inexpressiva. Medidas legislativas foram feitas, como a Lei do Ventre Livre e a Lei do Sexagenário, que pouparam crianças e idosos de sofrerem a sina da escravidão.

Depois de José Bonifácio, foi necessário mais de meio século para que a escravidão fosse declarada oficialmente extinta. No entanto, até hoje existem focos de trabalho escravo no interior do Brasil, envolvendo não apenas negros, mas mestiços em geral ou qualquer um que seja ligado às classes populares e esteja a procura de um emprego.

A situação do negro não melhorou e os senhores do engenho, para se vingarem do fato de não terem sido indenizados pelo Império, apoiaram a República e financiaram um golpe que instaurou o atual sistema de governo no Brasil.

Devemos esclarecer algumas coisas sobre a abolição que os "espíritas" ignoram. Em especial a postura hesitante do imperador Dom Pedro II em extinguir o trabalho escravo. Sua filha, Isabel, era apenas a "funcionária" de plantão e ela não foi a "ativista da Abolição" como os "espíritas" tanto acreditam, mas alguém que assinou um documento resultante da luta de muitos parlamentares.

A assinatura do documento foi um fato menor, diante dos esforços que os parlamentares tiveram bem antes de 1888. Também seria simplório dizer que foi o trio Pedro II - Isabel - Dr. Bezerra que, conforme acreditam os "espíritas", teriam sido os maiores ativistas da Abolição, porque sua participação foi bem menor. A de Joaquim Nabuco foi bem mais expressiva.

E ver que ainda tem muito a se resolver no problema da negritude brasileira. Há poucas semanas, a prestigiada e talentosa atriz, Taís Araújo, com toda sua popularidade, foi vítima de terríveis ofensas raciais. Isso reflete o atraso que o Brasil ainda sofre em relação ao mundo, e ver que boa parte da juventude "irada" ainda vive no tempo dos velhos engenhos é preocupante.

A realidade mostra que a fantasia "espírita" a respeito da Abolição, neste dia em que se lembra a morte do lendário ativista negro Zumbi dos Palmares, não faz sentido e que os problemas que vivem o Brasil o impedem de ser o tão sonhado "coração do mundo" que o "movimento espírita" tanto desejou para o país. E mostram que a visão da História pelos "espíritas" é muito, muito defasada.

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