sábado, 7 de novembro de 2015

Mídia e mercado depreciam vida de solteiro no Brasil

PRISCILA PIRES, EX-INTEGRANTE DO BIG BROTHER BRASIL, USANDO SEU "VESTIDO DE SOLTEIRA".

Não é fácil ser solteiro no Brasil, para homens e para mulheres. Os padrões dominantes na mídia e no mercado, aliados a uma série de valores ligados à ascensão social e outros paradigmas moralistas ou lúdicos oficialmente aceitos na sociedade, fazem com que a imagem do solteiro seja quase sempre vista como pejorativa e explorada da pior forma possível.

Na mídia de famosos, o foco da imagem depreciativa está nas mulheres. Combinando valores machistas com um populismo lúdico e uma obsessão para as noitadas e para o sensualismo obsessivo, as mulheres que expressam o "ideal de solteirice" exploram uma imagem nada positiva da vida de solteira, sugerindo ofensa a mulheres que querem viver sem depender de maridos e namorados.

Nas mídias sociais, o foco de humilhação está nos homens, que são obrigados a seguir a cartilha machista de aceitar qualquer mulher que lhe pareça disponível. Não há critérios de caráter, saúde, beleza, atração física, afinidade pessoal que se levem em conta, Se um homem reclamar, ele sofre séria humilhação de outros internautas.

A ideia chega a ser autoritária. Um internauta reclamou porque não gostava de "mulher-fruta", tipo de mulher siliconada associada ao meio do "funk". Não sentia atração nem afinidade pessoal por qualquer uma delas. Outra pessoa lhe chamou de "homossexual" e outra, em vez de dizer coisas sensatas como "você não namoraria, mas eu sim", sugeriu que o rapaz "deveria namorar a 'mulher-fruta' e é só ensinar 'coisas legais' para ela".

Sim, chegou-se ao ponto de impor que fulano namore determinada mulher. Não se trata de imposição de pais nas antigas famílias do século XIX, mas algo que, lamentavelmente, se equipara a isso mas não envolve interesses familiares, mas um "protocolo de conduta" nas mídias sociais, sempre feito para aceitar o "estabelecido".

A vida de solteiro de muitos homens, descontando a de galãs "disponíveis no mercado", é alvo de muita humilhação e preconceito. Se um homem declara que está solteiro há muito tempo e tem dificuldade de encontrar uma mulher de sua afinidade para namorar, ele é atacado por outros internautas que lhe xingam de "virgem" e "encalhado" num verdadeiro bullying digital.

O mais irônico disso tudo é que as xingações geralmente partem de desocupados que também têm dificuldade de arrumar namoradas. Saem de algum assédio fracassado na noitada, ou de alguma "brochada" numa relação sexual, mas "descontam" tudo isso xingando homens que assumem ser solteiros nas mídias sociais. E muitas vezes são estes últimos que trabalham ou fazem outras ocupações bem mais úteis que seus xingadores.

MULHER SOLTEIRA É VISTA COMO "VADIA" E "VULGAR"

Voltando às mulheres, a ideia de que a vida de solteira é sinônimo de vadiagem e irresponsabilidade é sutilmente cultivada pela mídia, através de seu "exército" de musas siliconadas que só ficam "mostrando demais" em festas nas boates ou quando vão à praia.

Elas não fazem outra coisa. Não arrumam sequer situação para vestirem roupas discretas e "descansar" de sua exibição corporal, e chegam mesmo ao ponto de exibir blusas curtíssimas em dias de frio ou vestidos apertados que quase sufocam seus corpos.

Mulheres como Solange Gomes, Renata Frisson (Mulher Melão), Yami Filé, Geisy Arruda, Fernanda Lacerda (Mendigata) e, "de volta ao mercado", a ex-Big Brother Brasil Priscila Pires, que acabou de se desfazer de um casamento, são exemplos desse circo do sensualismo obsessivo.

Protegidas pelo poder midiático, essas musas "sensuais" expressam a imagem pejorativa que os chefões da grande mídia e do mercado do entretenimento fazem contra as mulheres solteiras, em muitos casos se apoiando em tradições machistas, em outros nos interesses de lucros das grandes boates, vistas como se fossem "vadias" e "vulgares".

Mulher solteira, através desse circo midiático, não é uma mulher que independe de marido ou namorado para crescer na vida, mas aquela moça que "apela demais" na exibição de seus dotes corporais, sem medir contextos nem escrúpulos, ter um gosto cultural tenebroso e ser viciada em noitadas.

A mulher que não escolhe essas apelações e decide ter referenciais culturais mais consistentes, não exibe suas formas físicas a qualquer momento nem a qualquer preço, e busca aprimorar seus conhecimentos e aprendizados, é quase sempre aconselhada pelo "sistema de valores" a arrumar um marido, ainda que seja um empresário ou profissional liberal de personalidade insossa e apegado aos negócios e à elegância obsessiva de paletós e sapatos "sociais".

Isso diz muito quanto ao caráter desigual da vida feminina. Só mesmo no Brasil para a mulher que queira ser independente e não compartilha dos padrões machistas de sensualidade e entretenimento femininos ter que se casar com um homem, mesmo um "banana de gravata" que financie a independência da mulher, num desses critérios surreais de emancipação feminina.

A mulher solteira é associada "culturalmente" a uma desocupada que só quer mostrar seu corpo, curtir noitadas e ouvir os sucessos radiofônicos mais canhestros. São valores depreciativos, que vão contra a natureza feminina e feminista, já que o paradigma da solteira é ditada pelo machismo para alimentar tanto o mercado de boates quando o de fotos "sensuais" para um público masculino de baixo nível intelectual mas razoável poder aquisitivo.

Dessa maneira, as pessoas diferenciadas que se tornam solteiras sofrem preconceito. Os homens solteiros são vistos como "fracassados", as mulheres solteiras como "irresponsáveis". Não há uma valorização da vida solteira para aprimoramento intelectual e moral, mas tão somente um mercado "selvagem" movido por curtição, bebedeira e até drogas.

Isso é um higienismo social? Talvez, na medida em que as "solteironas" da mídia servem de referência para moças das periferias perderem o interesse de formar famílias ou, quando muito, gerar filhos descontroladamente que, mais tarde, conforme o sádico moralismo das elites reacionárias, serão "dizimados" pela violência alguns anos mais tarde.

Não se estimulam a formação de casais afins nem do direito de viver sozinho, já que o mercado do entretenimento, no Brasil, é bastante voraz, sofrendo um jogo de interesses que envolve donos de boates, latifundiários, executivos da grande mídia e outros aristocratas que decidem o que o povo deve curtir, pensar e fazer.

A depreciação da imagem de solteiros e solteiras para o circo da futilidade lúdica é mais um aspecto de atraso no Brasil, e que, no lado de fora da vida organizada das elites, mostra uma confusão de valores em que ética, vontade pessoal e prazer não são levados em conta.

Ser humanista num contexto desses dá sério risco de sofrer humilhações. A ideia é do solteiro brasileiro só querer saber de noitada, pornografia, bebedeira e curtição, que é o que a grande mídia e o mercado, com o apoio de seus simpatizantes nas mídias sociais, querem que aconteça.

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