quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Tragédia em Mariana e a tecnocracia


Dias atrás, a barragem de contenção de lama e rejeitos da mineradora Samarco se rompeu causando uma enxurrada de lama no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), destruindo inúmeras casas, praticamente arrasando com o bairro. Três vítimas fatais foram identificadas, mas há um número maior, devido aos desaparecidos.

A cidade de Mariana era conhecida pelos poemas de Carlos Drummond de Andrade (que no entanto não era natural de lá, mas de outra cidade mineira, Itabira) e também por ter sido uma das cidades históricas do Ciclo de Ouro das Minas Gerais. Ultimamente, tornou-se mundialmente conhecida pelo violento acidente que deixou também um número grande de desabrigados.

Denúncias revelam que a barragem se rompeu porque não houve manutenção. A barragem "inchou" com o acúmulo de rejetos e lama, e por isso ela se estourou, jogando a lama contra o distrito, que ficou praticamente destruído. A destruição é pior do que em áreas atingidas por erupções vulcânicas.

O acidente é considerado a pior tragédia ambiental de Minas Gerais e uma das piores do Brasil. E mostra o quanto a tecnocracia, que investe em grandes mineradoras, hidrelétricas etc, além de tantas atividades de ordem administrativa e técnica, que, em que pese a atuação do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal, evoca elementos do "milagre brasileiro" da ditadura militar.

A ideia de um país com projetos tecnológicos grandiloquentes, simbolizados pela construção da hidrelétrica de Belo Monte e pela transposição do Rio São Francisco, iniciativas que remetem a projetos dos tempos do general Emílio Garrastazu Médici - que na época investia também na até hoje inacabada rodovia Transamazônica - , como paradigma de desenvolvimento, revela suas grandes falhas e equívocos.

Belo Monte é um projeto que especialistas julgam supérfluo, afinal ele só beneficará grandes fazendeiros locais, em detrimento ao impacto sócio-ambiental que causará, eliminando reservas indígenas e afetando a diversidade biológica local. Mesmo assim, a hidrelétrica está em andamento e irá completar seus trabalhos.

Da mesma forma, a transposição do Rio São Francisco também favorece oligarquias locais, e o deslocamento do trecho do rio também causa sérios impactos negativos no meio ambiente, tirando seu curso natural.

Paciência. O grande erro do Partido dos Trabalhadores foi estabelecer alianças com forças conservadoras de tudo quanto é tipo, de partidos políticos em que predominam políticos ruralistas até intelectuais e jornalistas que pregam a degradação da cultura popular em nome do mercado e do sucesso midiático. De Paulo Maluf a Jair Bolsonaro, a base de apoio conservadora ao PT estabeleceu um preço caro de retrocessos sociais.

E é isso que anda prejudicando o país, afeito a projetos grandiloquentes que lembram as obras do "Brasil Grande" da época de Médici. No interior, grandes mineradoras e grandes hidrelétricas são construídas para aquecer a economia. Nas capitais, grandes eventos de esporte e entretenimento são realizadas para fortalecer o turismo e o consumismo do grande público.

Tudo é uma questão de criar, aqui e ali, "máquinas de fazer muito dinheiro", como se o dinheiro trouxesse não somente a felicidade, mas a prosperidade e o desenvolvimento social e humano em todos os aspectos. A utopia da "chuva de dinheiro" faz o Rio de Janeiro aceitar seus retrocessos, até mesmo na cultura e mobilidade urbana, em prol dos grandes eventos e dos interesses de lucro dos políticos, tecnocratas e empresários envolvidos.

Até imaginamos se o rompimento da barragem tivesse atingido, em vez de Mariana, o Rio de Janeiro. A barragem, provavelmente, seria instaurada perto da Baixada Fluminense. Se houvesse o rompimento nessa área, a tragédia teria índices ainda mais catastróficos. Mas áreas como as praias da Zona Sul e o estádio do Maracanã estariam poupadas.

Como "paisagem simbólica", o Rio de Janeiro sofreria "menos arranhões", mas a ampla tragédia na Zona Norte e Baixada pesariam negativamente. O sonho da praia ensolarada e do futebol vencedor que promove o fanatismo das torcidas locais - quem não curte futebol é socialmente discriminado por boa parte dos cariocas e fluminenses - seriam insuficientes para compensar as multidões que teriam sido mortas e desabrigadas se o rompimento da barragem tivesse ocorrido no Grande Rio.

O descaso administrativo provocou esse rompimento. E mostra o quanto a tecnocracia não oferece respostas seguras e plenas para a população. A ilusão de que o status técnico-administrativo é garantia de maior responsabilidade e atendimento ao interesse público, mesmo que seus técnicos e planejadores não demonstrem qualquer vínculo ou vivência no cotidiano das pessoas comuns.

Daí o problema de um secretário municipal de Transportes do Rio de Janeiro, Rafael Picciani, de uma rica família de políticos, sem vivência no transporte público, que ao lado de Alexandre Sansão - um tecnocrata que parece se esquecer que existe povo no RJ - , vivem a cortar itinerários de linhas como bebês que ficam rasgando os livros de seus pais, e tudo isso é feito sob um pretexto "técnico" e "objetivo".

Os brasileiros de classe média acreditam que a "chuva de dinheiro" trará um permanente Sol de desenvolvimento e prosperidade. Mas os brasileiros mais simples, que não aparecem nas mídias sociais, não frequentam a orla de Ipanema e nem tratam o Maracanã como se fosse a Meca do fundamentalismo futebolístico, a ideia de haver uma "enxurrada de dinheiro" não é suficiente para o menor otimismo. Afinal, para onde irá essa grana toda?

A tragédia de Mariana poderia ser, em outro contexto, a tragédia de Belo Monte, ou, nos centros urbanos, é a tragédia das UPPs, dos acidentes com BRT, ou mesmo da tragédia "feliz" das pessoas conformadas, que vão ao Rock In Rio com bigode postiço, comprando um lamaçal qualquer nota tirado de uma obra recente, mas que pensam ser a "lama de 1985) e ficam ouvindo Rádio Cidade achando que é "rádio rock de verdade".

São essas pessoas que preferem brincar com o WhatsApp em busca de vídeos engraçados nas mídias sociais, que compram livros para colorir ou obras de vlogueiros capazes de escrever 150 páginas "filosofando" sobre unha encravada, e que desprezam a ideia de que o sonho da "chuva de dinheiro" pode se tornar o pesadelo da "tempestade de lama" como a ocorrida em Mariana.

Tem gente que ainda vive no tempo do "milagre brasileiro"...

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