quinta-feira, 10 de março de 2016

Revista da Semana questiona "obra espiritual" atribuída a Humberto de Campos


Em reportagem publicada em 08 de julho de 1944, o periódico carioca Revista da Semana, sob o título "Humberto de Campos: Escritor de Além-Túmulo", mostra a polêmica do processo dos herdeiros do escritor maranhense contra a Federação "Espírita" Brasileira e Francisco Cândido Xavier.

Mostrando os dois lados do problema, incluindo a complacência de Ana de Campos Veras, afetivamente seduzida por Chico Xavier no sentido de aceitar a suposta psicografia atribuída a seu filho, a reportagem no entanto sinaliza para o questionamento da "autenticidade" que oficialmente a suposta obra espiritual de Humberto de Campos possui.

Os argumentos dos que contestam a veracidade são muito mais fortes e consistentes do que aqueles que a aceitam. E, além disso, são mais frequentes: há desde os filhos Humberto de Campos Filho e Henrique de Campos, até o conhecido escritor Malba Tahan.

Num trecho da reportagem, compara-se dois fragmentos de obras, um de Humberto de Campos deixado em vida, e outro atribuído a seu espírito por Chico Xavier. Note-se que as disparidades que já adiantamos neste blogue, com o texto pesado, melancólico e igrejista do "espírito Humberto" está presente no fragmento selecionado.

Reproduzimos eles usando a grafia atual, conforme a ortografia de 2009, procurando trazer, ao leitor de hoje, os problemas referentes à atribuição de supostas psicografias a um escritor como Humberto de Campos. O que, mais uma vez, comprova que as "obras espirituais" são uma fraude, pouco importando se elas se destinam, em tese, ao "pão dos necessitados". Desonestidade não é bondade.

O próprio texto da legenda, sob o box que compara os dois textos, dá o tom da dúvida e mostra o quanto a atribuição é fraudulenta (os estilos claramente NÃO são os mesmos):

"Para o necessário confronto, reunimos apenas dois trechos: o primeiro de autoria do escritor maranhense e o segundo ao mesmo atribuído pelo "médium" Francisco Cândido Xavier. Acha o leitor que ambos tenham sido realmente escritos por Humberto de Campos?"

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HUMBERTO DE CAMPOS, EM VIDA

"Eu não tenho ainda a meu lado, no cenário doméstico, um 'alguém' ou um 'ninguém', que se exprima com essa encantadora sutileza. A petiza que me desarruma os livros ainda não chegou à idade em que se arrumam as ideias, anda apenas pelos dezoito meses, mas já colabora nas minhas observações de curioso. É notável, por exemplo, a nenhuma distinção que se estabelece, na sua idade, entre as dores morais e as dores físicas. O anjo que me quebra a "pince-nez" e me esconde as canelas sempre que arranha o dedilo no espinho de uma roseira ou nas garras de seu gato, vem mostrá-lo, chorosa:
- Dodói! Dodói!
Toda a dor física é anunciada, na sua linguagem, por esse "dodói"; e como não tem outro meio de expressão para o seu mal-estar mora, é com esse mesmo termo que ela o manifesta. Assim, uma coisa que lhe causa repugnância, uma pessoa com quem antipatize, um quarto escuro, que lhe infunda pavor, tudo isso - pavor, antipatia, repugnância - é manifestado por essa fórmula universal:
- Dodói! Dodói!
As confusões que ela estabelece não ficam aí. No seu dicionário, o cachorro, qualquer que ele seja, tem o nome de "totó". E todo retrato de senhora porventura encontrado nos figurinos que rompe, é o da sua "mamã". Certo dia apanhou uma publicação elegante, e foi passar em revista as numerosas damas ilustres que ali apareciam fotografadas. Todas elas, eram, invariavelmente, aos seus olhos, a mesma pessoa:
- "Mamã"!
Uma senhora havia, porém, com uma grande pelica agasalhadora e que lhe causou estranheza. Quando chegou a esse ponto, a pequenita estacou espantada, não quis ver aí a "mamã".
- E esta? - indagaram.
E ela:
- Totó!"

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"HUMBERTO DE CAMPOS, PÓSTUMO"

"A sepultura não é a porta do céu nem a passagem para o inferno. É o bangalô subterrâneo das células cansadas - silencioso depósito do vestuário apodrecido.

O homem não encontrará na morte mais do que a vida e no misterioso umbral, a grande surpresa é o encontro de si mesmo.

Falar, pois de homens e de espíritos como se fossem duas realidades antagônicas vale por falsa concepção das realidades eternas. As criaturas terrenas são, igualmente, espíritos revestidos de expressões peculiares ao planeta. Eis a verdade que o Cristianismo restaurado difundirá nos círculos da cultura religiosa.

Quanta gente aguarda a grande transição para regenerar costumes e renovar pensamentos? Entretanto, adiar a realização do bem é sempre menosprezar patrimônios divinos, agravando dificuldades futuras.

O deslumbrante que invadiu as zonas de intercâmbio entre as esferas visível e invisível, operou singulares atitudes nos aprendizes novos.

Por círculos diversos, companheiros nossos, pelo simples fato de haver transposto os umbrais do crepúsculo, são convertidos pelos que ficaram na Terra em oráculos supostamente infalíveis; alguns amigos, porque encontraram benfeitores na zona espiritual, esquecem os serviços que lhes competem no esforço comum; médiuns necessitados de esclarecimento são transformados em semi-deuses.

A alegria da imortalidade embriagou muitos estudiosos imprevidentes. Dorme-se ao longo de trabalhos valiosos e urgentes, à espera de mundos celestiais, como se o orbe terrestre não integrasse a paisagem do infinito".

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