sábado, 3 de setembro de 2016

O materialismo "espírita"


"Misericórdia com algoz. Mude o pensamento. Se você é enforcado, dialogue com a forca para que ela não aperte o seu pescoço, perdoe o seu carrasco e lhe diga para ele ser bonzinho. Fé em Deus que tudo poderá".

Tudo isso parece fácil, mas a vida é cheia de complicações. Mas o "espiritismo" insiste em ver a vida de forma simplória, como se individualidades e complexidades mil fossem apenas aspectos postiços, como se as almas fossem todas iguais e tudo que é peculiar e particular se dissolve no além-túmulo.

Para o "espiritismo", a individualidade é tratada como se fosse uma qualidade provisória. Evidentemente, os "espíritas", dissimuladores que são, não irão admitir isso, para eles a individualidade "existe" na vida espiritual, mas apenas se "manifesta" da forma que eles consideram "elevada", ou seja, através do igrejismo de sempre.

A negação da individualidade, porém, se dá sutilmente, atribuindo desejos e necessidades humanas como "manifestos cegos de materialismo". Para os "espíritas", pouco importa se alguém com vocação para historiador vira flanelinha, ou que uma mulher que deseje um namorado que lhe tenha afinidade só atrai homens com cargos de comando mas dotados de personalidade insossa e superficial.

Os "espíritas" acham que, desvalorizando as questões da vida material, estão abandonando o materialismo. Estão enganados. O "espiritismo" brasileiro é muito mais materialista que o marxismo, que dá um banho de solidariedade e caridade na doutrina popularizada por Francisco Cândido Xavier.

Isso porque, condenando os desejos e necessidades dos indivíduos, que o julgamento de valor "espírita" define como "caprichos do materialismo", o "espiritismo" está condenando, na verdade, a possibilidade da pessoa intervir na vida brutal da matéria, buscando um diferencial mais humano, que passa por condições específicas a cada indivíduo.

Nem todo mundo pode ter uma vocação para professor e um destino para flanelinha. Nem todo homem que deseja uma mulher de caráter tem condições de aturar uma funqueira. Quase nenhuma adversidade é aprendizado, quase nenhum obstáculo traz um novo caminho, e a coleção de desgraças quase sempre estraga a pessoa, tornando-a mais amarga, odiosa e até violenta.

É inútil que os "espíritas" façam os apelos que insistem ultimamente: "aguente seus sofrimentos", "na pior das desgraças, preste atenção nas bênçãos que recebe", "não reclameis para não macular seu coração" e outras coisas que mais parecem súplicas desesperadas de uma religião que não tem condição alguma de ajudar quem quer que seja.

O que os "espíritas" não sabem é que as pessoas são diferentes. Nem todo mundo tem a disposição e a paciência para mudar drasticamente os planos de vida. Poucos conseguem sobreviver diante de uma tempestade de desgraças. Poucos conseguem permanecer serenos perdendo a juventude toda com infortúnios difíceis de se superar e, tardiamente, obter apenas metade dos benefícios que mereceria.

O excesso de desgraças, que os "espíritas", com seu dócil sadismo, definem como "testes sucessivos" e tratam como se fossem "provas para conquistar as bênçãos futuras", em muitos casos torna o sofredor mais materialista, mais ganancioso, dotado de egoísmo, preconceito e senso de vingança, mesmo que essa vingança se manifeste por uma seletividade social maquiavélica.

E que juízo de valor cruel é o "espiritismo" quando seus palestrantes se arrogam em dizer que a necessidade de fulano é "materialismo"? Querer um cônjuge por questão de afinidade é "sensualismo"? Querer um trabalho de acordo com a própria vocação é "pedir luxo"? Querer qualidade de vida é "frescura de magnata"?

O que os "espíritas" fazem é atirar pedras ideológicas nos sofredores. Julgando-se acima de tudo, os "espíritas" apelam para os sofredores aguentarem desgraças. A cada vez mais o "espiritismo" brasileiro, guiado pelas obras de Chico Xavier, comprova seu vínculo com a Teologia do Sofrimento, sem poder mais esconder suas contradições consequentes da desonestidade doutrinária.

Desta maneira, o igrejismo "espírita" tenta sugerir falsas soluções, medidas vagas de "superação" que nada resolvem, orações que parecem se perder na atmosfera, enquanto lágrimas de angústia são produzidas por sofredores que, não bastassem as desilusões graves que sofrem diariamente, desafiando o mais persistente otimismo e o mais perseverante esforço, ainda são obrigados a se submeterem às desilusões de outros, de caráter muito menos evoluído.

Com isso, o "espiritismo" prova ser materialista, na medida em que acha que a vida humana pode ser qualquer nota. O materialismo consiste em pregar que a pessoa não possa interferir na vida material, pelo menos da forma desejada e planejada, e que tanto faz adiar projetos de vida para outras encarnações sob a desculpa de que existe reencarnação e a "verdadeira vida" é no plano espiritual. Nada disso justifica que percamos uma breve encarnação suportando desgraças.

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