segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A mensagem anti-kardeciana do "poeta alegre"


Certas práticas ou produtos do "movimento espírita" são risíveis de tão simplórios, resultantes de atitudes referentes à visão deturpada da Doutrina Espírita, frequentemente dissimuladas pelo bom-mocismo das "casas espíritas" e seus palestrantes mais festejados.

No "Artigos Espíritas", página portuguesa mas que representa a mesma deturpação brasileira da Doutrina Espírita, foi publicado um poema de um suposto espírito, chamado "poeta alegre", cujos poemas são tão toscos que há muitas dúvidas de que realmente se trata de um espírito. Os poemas publicados em seu nome mais parecem poeminhas de rima fácil, desses que se faz em exercícios de aula de Português no ensino fundamental.

Até aí, nada demais. O que chama a atenção, num poema recente, intitulado "Ciência e Paciência", supostamente psicografado por um tal de JC no "Centro de Cultura Espírita" na cidade portuguesa de Caldas da Rainha, é uma preocupação inútil com as relações entre ciência e impaciência. Segue o poema e, depois, mais comentários deste texto.

==========

Ciência e Paciência - Atribuído a poeta alegre

O Homem busca
Na Terra,
Muita ciência,
Mas não tem paciência.

O Homem vive
Na fartura ou indigência
Mas de pouco vale
Sem ter paciência

O Homem procura
Viver com decência
Mas isso é pouco
Se não tem paciência

O Homem pode
Ter muita valência
Mas a mais difícil
É ter paciência

A paciência
É a prova final
Dos estudos em curso
Na escola carnal

Procura, pois,
Estimular a paciência
E perante a adversidade
Treina essa “ciência”

Ciência sem paciência
É como espiritualidade sem fé
Não condiz uma com a outra
Não te mantém de pé….

==========

Embora o "autor espiritual" reconheça ser possível "ciência com paciência", é ridícula a preocupação dele com a "impaciência humana" na busca do Saber. É um texto anti-kardeciano, que traz uma mensagem desnecessária, atribuindo à Ciência os ranços de impaciência e intolerância que em verdade são muito raros e excepcionais.

O poema do "poeta alegre" demonstra que sutilmente entra em colisão com os ensinamentos de Allan Kardec, como se observa no "espiritismo" deturpado que tanto bajula o nome do pedagogo francês quanto despreza suas lições mais caras, ou apenas as aproveita de forma distorcida e de acordo com os interesses arrivistas dos "mensageiros espíritas".

Desde a Antiguidade, a paciência era companheira das atividades científicas. Embora haja casos de indignação diante de problemas e conceitos diversos, e polêmicas tensas diante de muitas teses, o trabalho científico e intelectual quase sempre buscou atuar de forma paciente, sobretudo quando o pensador pesquisa conceitos e ideias das quais sente algum incômodo, por discordá-las firmemente.

Esquece o "poeta alegre" de que a paciência é trabalhadora constante da Ciência, que as obras científicas são compostas de longos livros e fartas bibliografias, além de palestras e artigos longamente planejados, tudo resultante de análises em que ideias são postas à prova diante de argumentos dificilmente elaborados e um raciocínio minucioso e cuidadoso.

O próprio Allan Kardec era muito paciente e cuidadoso nos seus trabalhos. Era muito cético e por isso sempre perguntava para poder entender de forma concisa e correta determinado fenômeno. E sua paciência se deu também às oposições que eram feitas contra suas descobertas, além do fato de que, ainda muito doente, Kardec se dedicava pacientemente aos seus derradeiros trabalhos. 

A paciência de Kardec se dava em longas viagens, pagas pelo dinheiro dele, sem qualquer patrocínio alheio. E se dava também nos artigos da Revista Espírita, nos quais procurava responder a argumentos contrários ou mesmo a ataques, com paciência cirúrgica e um esforço enorme em elaborar respostas lógicas e consistentes.

Outro aspecto anti-kardeciano do poema do "poeta alegre", devido à sua implicância com a "impaciência da Ciência", é que Allan Kardec havia dito que, se houvesse alguma coisa errada no Espiritismo que fosse provada pela Ciência, que se preferisse ficar com esta última. E que se houvesse argumentos lógicos que contradizessem as descobertas de Kardec, ele mesmo se disporia a reavaliar os conceitos e mudá-los.

E A IMPACIÊNCIA DA FÉ?

O que o "poeta alegre" se esquece é que a fé religiosa é que tem mais focos de impaciência do que o raciocínio científico. O cientista, quando busca o Saber, é mais paciente, analisa argumentos contrários, busca conceitos mais consistentes e dotados de sentido.

Já o religioso, não. Quando busca o Saber, é de maneira confusa, portanto, impaciente, misturando argumentos pedantes com devaneios de ordem mística, atendendo apenas a seus caprichos sonhadores, aos seus preconceitos e interesses pessoais.

Os "espíritas" se demonstram impacientes em tudo. Querem ser intelectualizados com seu igrejismo, e quando apelam para evocar a Filosofia, o fazem da pior maneira: criam um engodo esotérico, com pedantes abordagens de temas filosóficos abstratos, misturam com misticismo religioso e o resultado é uma colcha-de-retalhos nada filosófica e, portanto, mais próxima de crenças igrejeiras do que de qualquer promoção de Conhecimento.

Os próprios "espíritas" se revelam impacientes, na sua incapacidade de argumentar. Preferem que seus pontos de vista prevaleçam por "estarem acima da lógica e do bom senso". Nada mais anti-Kardec do que isso: estar acima da lógica e do bom senso por causa de "conceitos" que "escapam da razão humana", como as irregularidades em muitas supostas psicografias, que destoam dos aspectos pessoais dos autores mortos alegados.

Mas outra impaciência é ficar com a "palavra final". Como os palestrantes "espíritas" fazem um espetáculo de "palavras bonitas" e "lindas ações" - como a chamada "caridade paliativa", ou "assistencialismo", "bondade" feita mais para causar impressão do que promover ajuda e progresso social - , eles se acham com a posse da palavra final, a julgar pelo próprio ídolo Chico Xavier, ele mesmo considerado pelos seus seguidores o proprietário maior da verdade do Universo.

Diante disso, o "poeta alegre" escorregou de vez. Ele deu um recado desnecessário, porque os cientistas são os que mais lidam com a paciência na busca do Saber. Os "espíritas", sim, é que andam impacientes com sua chance de ingresso no "reino dos puros", e tentam a todo custo caprichar no balé de palavras e no espetáculo assistencialista, para que seu bom-mocismo pudesse lhes garantir a "divinização" ao sabor das paixões terrenas da fé religiosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.