quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Plutocracia, pós-verdade e convulsões sociais


Na crise política em que vivemos, uma parábola ilustrativa explica a situação. Num galinheiro em crise, as galinhas acusam o galo de corrupto, desonesto e predador, sob influência de umas duas ou três galinhas que influenciam a opinião geral do lugar.

Com isso, as três galinhas usam todo tipo de persuasão para convencer as demais de que a raposa é o animal certo para comandar o galinheiro, devido a atribuições supostamente técnicas, éticas e moderadas. É certo que algumas galinhas mais radicais querem um lobo para comandar o galinheiro, mas a maioria já se sente satisfeita com o governo da raposa, considerada "mais equilibrada".

É isso que vivemos no país de hoje, em que as elites retomam o poder depois de uma crise econômica e político-institucional que teve um desfecho mais retrógrado. A onda ultraconservadora que há anos já existia na Internet, mesmo antes do Orkut e durante seus primórdios, ocupou o poder através de um sistema de argumentos de convencimento que adotam uma roupagem lógica ou são apoiados pelo apelo emocional da catarse.

O fenômeno da pós-verdade e a onda de ódio e reacionarismo na Internet, vinda de jovens de perfil mais "irreverente" e dos quais não se esperava posições tão reacionárias, revelam a convulsão social que atinge a sociedade nos últimos anos.

É assustador que os ataques de intolerância social diversos nas redes sociais ocorra em grande frequência e com uma força tirânica, na qual os internautas que lideram esses espetáculos de ofensas gratuitas de toda espécie se acham numa impunidade plena, a ponto de reagirem a qualquer advertência com o famoso "KKKKKKKKKK" (risadas, em internetês).

A adesão de pessoas de boa índole aos valentões da Internet fez o ovo da serpente crescer. No começo, pessoas de bem, só porque estavam numa mesma comunidade numa rede social que o valentão, aderiram a campanhas de cyberbullying, acreditando no jeito "divertido" do encrenqueiro.

Depois a coisa se evolui para uma acomodação bovina, uma ilusão de felicidade porque o governo Michel Temer representa supostas qualidades de superioridade técnica e moderação política. As pessoas vão para a praia felizes sem saber que, à menor ressaca, pessoas não poderão ser internadas em hospitais superlotados, e não se fala só de hospitais públicos, pois o êxodo para os hospitais privados já transforma vários deles em arremedos de hospitais públicos, tanto pelo desserviço quanto pela alta demanda.

Os retrocessos no Brasil ocorrem como se uma avalanche de neve caísse em alta velocidade sobre nosso país. A situação é de catástrofe, mas as pessoas vão para as praias e praças como se estivessem no Paraíso. Até quem fuma, como nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, vive essa ilusão de que nada de ruim vai acontecer, quando a tragédia é só uma questão de minutos.

A propósito, num tempo de convulsões sociais e imprudência das próprias elites, ficamos perguntando se a tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), ocorrida há quatro anosa, não poderia também ocorrer em Trancoso ou Jurerê Internacional. A ilusão de invulnerabilidade e imunidade das elites, num tempo em que se radicalizam as medidas de exclusão social e as expressões de profundo preconceito elitista, também sinaliza um quadro perigoso para as elites.

A pós-verdade dos argumentos "objetivos", que sempre protegem aqueles que cometem abusos e assumem posturas sociais desumanas, em que o egoísmo é justificado com desculpas "altruístas" em linguagens "técnicas", "acadêmicas" ou falácias de roupagem "lógica" e motivação "pragmática" (como dizer que o "ruim" é melhor do que o "pior"), permite essa desigualdade de condições, em que os mais egoístas sempre triunfam.

E é mais assustador que o "espiritismo", cada vez mais inclinado à Teologia do Sofrimento - que pede para o sofredor aceitar desgraças e ainda perdoar o algoz pelos abusos cometidos - , consente com os abusos dos egoístas, e ainda cometendo o descaramento de definir o momento atual, de instabilidade social crônica e violenta, como uma "época de regeneração e libertação". Onde, "espíritas"?

É muito fácil criar um desfile de palavras bonitas, pedindo para as pessoas aceitarem o sofrimento, abrirem mão de suas necessidades, achar que viver uma encarnação de desgraças é o caminho para a "libertação na vida futura", enquanto se vê gente abusando e acumulando privilégios em longos anos, sem que os efeitos drásticos de sua ganância se voltem contra ela.

É um surto de posturas egoístas aqui e ali que se acham na liberdade de serem expressos, algo que talvez fizesse sentido nos tempos do nazi-fascismo. que assusta o Brasil. Ver que até uma religião, que se gaba em dizer que "promove a bondade" - uma "bondade" feita mais para impressionar as massas do que para ajudar os necessitados - , está conivente com o tenebroso momento atual do Brasil, é de causar muita aflição.

A mentira tomou o poder, protegendo o egoísmo. Alegações "técnicas" e "objetivas", motivações "pragmáticas", chantagens e humilhações nas redes sociais, tudo isso reflete o porquê de tantos retrocessos. Temos um Brasil que sempre foi ultraconservador e que agora perdeu vergonha de assumir seus preconceitos e perversidades.

Essas pessoas integram elites há tempos privilegiadas ou são seu suporte de apoio nas classes média e baixa. Essa "frente ampla" do retrocesso, capaz de defender a entrega das riquezas brasileiras para magnatas estrangeiros, empobrecendo o país, exerce uma supremacia que deveria ser contestada e combatida sem complacências.

Também temos que revelar que o status quo de juristas, políticos, celebridades, empresários, famosos, acadêmicos e até ídolos religiosos que hoje prevalecem no seu prestígio e poder, são pessoas de visão obsoleta e decadente da realidade.

De Sérgio Moro a Divaldo Franco, passando por Luciano Huck, Henrique Meirelles e Aécio Neves, essa plutocracia não representa o povo e também não representa os novos tempos, mas tão somente paradigmas antigos e interesses estratégicos de grupos sociais privilegiados, que tentaram resistir aos progressos do tempo, mas que, agora em declínio, precisam ser recuperados à força, para retomar a supremacia que nunca foi extinta de fato.

Mas o Brasil ainda terá um preço caro diante dessa arrancada forçada para trás, como numa marcha-a-ré em que o condutor acelera demais sem olhar para trás e acaba provocando um acidente com essa manobra tão arriscada. As convulsões sociais existem, mas elas se voltarão às elites, pelo apetite desmedido de retomar o poder.

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