terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Por que o "espiritismo" brasileiro virou uma religião ultraconservadora?

O REACIONÁRIO PADRE JESUÍTA MANUEL DA NÓBREGA FOI ADOTADO PELO "MOVIMENTO ESPÍRITA" SOB O CODINOME EMMANUEL.

O "espiritismo" brasileiro vende uma falsa imagem de doutrina progressista, comprometida com o equilíbrio de ciência, filosofia e moral, mas mostra sérias e gravíssimas contradições que a colocam como uma das religiões mais retrógradas existentes no Brasil, ao lado de tendências protestantes da linha neopentecostal (pentecostais com maior apelo midiático).

Que esperássemos que o "espiritismo" adotasse postura com algum teor de conservadorismo, isso é verdade. Mas não imaginávamos que, mesmo na fase dúbia, em que o "movimento espírita" lançava mão de todo tipo de dissimulação para que seu igrejismo fosse aceito até por ateus, socialistas e kardecianos autênticos, essa postura se tornasse ainda mais acentuada.

Muitos ainda não conseguem entender por que Francisco Cândido Xavier havia sido defensor da ditadura militar. Alguns ingênuos acham que ele foi induzido para tal, ou que era ingênuo em acreditar que a ditadura salvasse o país etc.

Os chiquistas costumam se contradizer, dando responsabilidades irreais a Chico Xavier - como os atributos de "filósofo" e "cientista" - quando elas são agradáveis, mas, quando as responsabilidades são reais e desagradáveis, como defender a ditadura militar e apoiar a fraude da farsante Otília Diogo (quando Chico demonstrava animação nos bastidores, acompanhando a farsa de perto), eles tentam livrar a culpa com argumentos confusos e sem a menor coerência.

Desde quando a Federação "Espírita" Brasileira adotou o roustanguismo, nota-se a tendência conservadora de descartar o conteúdo iluminista do cientificismo de Allan Kardec, considerado "muito complicado", e deu-se preferência ao religiosismo de Jean-Baptiste Roustaing, cheio de fantasias, mas com ideias condizentes às tradições católicas vigentes no Brasil.

Aliás, ocorreu uma coisa curiosa. Enquanto a Igreja Católica, mesmo dentro de seus limites ideológicos, tentava se reformular a partir do século XIX, o "espiritismo" recuava para ser uma versão repaginada do Catolicismo jesuíta português, de conteúdo medieval, tamanha a evocação de espíritos jesuítas que depois se deu nas "casas espíritas".

E isso se tornou mais intenso quando Chico Xavier revelou conversar não só com o espírito da falecida mãe, Maria João de Deus, como também com o espírito de um jesuíta, o padre Manuel da Nóbrega, rebatizado Emmanuel.

Chico Xavier personificava o caipira ultraconservador, como é típico nas cidades do interior do país. Católico beato e ortodoxo, adorador de imagens de santos (sobretudo Nossa Senhora da Abadia), Xavier só diferia pela paranormalidade, mas nunca foi alguém que possa ser digno de ser considerado progressista, moderno ou futurista. Nunca.

E como no Brasil existe tanta dissimulação de discurso, com pessoas fazendo ou prometendo fazer uma coisa e praticam outra diferente e oposta, o "espiritismo", sobretudo na fase dúbia, iniciada em meados dos anos 1970, após o fim da era Wantuil de Freitas, passou a se vender como "doutrina futurista", promovendo uma falsa imagem de movimento progressista que só dissimulava seu igrejismo entusiasmado.

Nesta fase dúbia, o "espiritismo" enfatizava não mais o alto clero da FEB, mais assumidamente roustanguista, mas as federações regionais, que adotam um roustanguismo mais enrustido, adulando formalmente Allan Kardec. A fase dúbia foi o auge de Chico Xavier e a ascensão de Divaldo Franco, deturpadores do legado kardeciano que fingiram apoiar a recuperação das bases espíritas originais.

A fase dúbia tem uma fachada supostamente moderna, progressista e futurista. Tentou cooptar até mesmo ateus e esquerdistas. Mas escondia os mesmos postulados igrejeiros do roustanguismo, e os dissimulava com falsas citações de assuntos e personalidades científicos.

Misturando alhos com bugalhos - prática muito comum no Brasil - a fase dúbia do "espiritismo" brasileiro misturava conceitos deturpados trazidos por Chico Xavier e Divaldo Franco com ideias corretamente trazidas por Allan Kardec, transformando os postulados "espíritas" brasileiros num verdadeiro engodo.

Isso não impede que conceitos conservadores sejam difundidos. Chico Xavier sempre foi adepto da Teologia do Sofrimento, a mais medieval das correntes católicas que fazia apologia das desgraças humanas como "caminho para as bênçãos". "Sofra sem mostrar sofrimento",dizia Chico com suas palavras, sempre aconselhando as pessoas a "sofrer sem queixumes", uma prova explícita de sua ligação com a Teologia do Sofrimento, também apoiada por Madre Teresa de Calcutá.

Isso já dá margem a conceitos ultraconservadores que aos poucos foram crescendo, na medida em que a retomada conservadora tornou-se possível tirar os "espíritas" do armário e deixar de lado a atitude "duas caras" de bancar ao mesmo tempo progressista e científico e conservador e igrejeiro.

Os juízos de valor dos "espíritas" diante das desgraças humanas, a propaganda conservadora que Chico Xavier representava com suas mensagens e com a exploração de tragédias familiares - que foram prato cheio para o sensacionalismo da mídia - , se destacavam de tal forma que o suposto caráter progressista não passava de um rótulo que não colava e saía fácil do frasco "espírita".

Apenas a suposta filantropia, na verdade a "caridade paliativa" que serve mais para impressionar as massas do que para ajudar os necessitados, já arrancava, e mesmo assim de maneira complacente, o apoio de ateus e esquerdistas. Mas isso não justificava, afinal, o fato de Chico Xavier ter defendido a ditadura militar, esculhambado operários e camponeses, e, antes, ofendido as vítimas da tragédia de um circo, o faz claramente um cidadão profundamente conservador.

Além disso, Chico Xavier tornou-se mito nos últimos anos por causa da ajuda da Rede Globo, que criou um mito "limpo" de pretenso filantropo, a exemplo do que Malcolm Muggeridge fez de Madre Teresa. Um símbolo de um padrão de "bondade" que não ameaça as elites e é narrado pelo discurso midiático como se fosse conto de fadas, o que arranca fácil lágrimas de quem sofre fraquezas emocionais extremas.

A partir de Chico Xavier e de um verborrágico Divaldo Franco - ele também uma personificação de um paradigma conservador, de velho professor catedrático dos anos 1930-1940 que simboliza um pretenso saber hierarquizado e pomposo - , o "espiritismo" desenvolveu um ideário conservador que, aos poucos, tornou-se ainda mais explícito, o que pode fazer a fase dúbia, se não desaparecer, pelo menos perder o destaque em prol de uma retomada neo-roustanguista no "movimento espírita".

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