quarta-feira, 22 de março de 2017

O triste Brasil em que uma minoria acha que pode tudo

DIVALDO FRANCO, SÉRGIO MORO E JOÃO ROBERTO MARINHO - Exemplos de pessoas que se valem por privilégios sociais.

O Brasil vive o desespero de uma minoria dotada de algum privilégio social - de um simples porte de armas ao prestígio religioso, passando pelo poder do dinheiro, da toga, da fama, do diploma, da política ou mesmo de um carisma social entre a "galera" - que acha que pode tudo e tenta fazer de tudo para evitar sua decadência, motivada por tamanhos abusos.

Entende-se o contexto que se deu a partir de maio de 2016, mas que estava latente ainda nos anos 1990, durante o governo de Fernando Collor, como a revolta da plutocracia. Originalmente plutocracia significa "governo dos ricos", mas o termo se expandiu para "supremacia dos privilegiados".

No próprio governo Collor, pretensos "heróis" do século XXI tentam hoje se manter no sucesso e, de preferência, manter algum carisma e evidência na mídia. Do sexismo de Solange Gomes ao tendenciosismo televisivo de Gugu Liberato, passando pelos arrivismos de Guilherme de Pádua, assassino da atriz Daniella Perez beneficiado pela impunidade e que se casou recentemente pela terceira vez, e do empresário baiano Mário Kertèsz, símbolo da corrupção política na Bahia.

Os anos 90, símbolo dessa deterioração de valores, em que "musas de banheira" podem se passar por "feministas" só mostrando o corpo, assassinos de mulheres podem retornar à fama como subcelebridades e políticos corruptos podem se fantasiar de radiojornalistas, antecipou em muitos aspectos o contexto político e social de hoje. E isso com uma trilha sonora de "música brasileira" caricata e malfeita que quer se impor como o "futuro da MPB".

Vivemos uma época em que poucos acham que podem tudo. De deturpar a Doutrina Espírita e se passar por "discípulos fiéis" de Allan Kardec até grandes empresários da mídia que não só sonegam impostos como ainda abocanham o dinheiro público arrecadado com os impostos dos outros (fala-se, portanto, dos empresários da Rede Globo), a ilusão do prestígio social inspira a seus detentores uma série de artifícios, falácias e abusos para protegerem seu status e seus interesses.

É até risível que o arquiteto e ex-prefeito de Curitiba (a chamada "República de Curitiba" da Operação Lava Jato), Jaime Lerner, cria da ditadura militar, falar que os brasileiros adoram ir à Europa sem aproveitar as lições urbanísticas de lá. É só perceber o que se resultou da capital paranaense: uma cidade desigual, retrógrada, violenta (sobretudo contra mulheres), reacionária ao extremo. E não foi por desprezo a Lerner, pois a cidade foi entregue aos seus herdeiros políticos.

A ilusão do prestígio contagia até o valentão da Internet, que, por ser considerado "divertido" por uma parcela de internautas nas redes sociais, acredita que pode promover ataques de cyberbullying e criar blogs ofensivos para depois, "civilizadamente", comparecer a eventos sociais e profissionais de ponta, posando de "anjinho" e falando em "respeito humano", "ética" e "bom senso".

Existe até mesmo um "alto clero" da plutocracia, que são os rentistas, os juristas, os religiosos, sem excluir os "espíritas" (que aliás estão até em situação mais grave, porque desrespeitam responsabilidades assumidas em transmitir conhecimento e coerência). Gente do topo do topo da pirâmide social, agraciada pelo controle da circulação de dinheiro, pelo aparente monitoramento das leis, pelo suposto contato com Deus.

Nada lhes ameaça, mas eles se acham no direito de ameaçar os outros. A Operação Lava Jato recebe muitas críticas pelo caráter seletivo das investigações e condenações, sempre atuando de forma hesitante quando o suspeito de corrupção, apesar das provas, for alguém ligado à plutocracia. Se for alguém do Partido dos Trabalhadores (PT), a condenação ocorre até sem provas.

As elites surtaram e hoje temos a livre expressão de preconceitos sociais cruéis. Gente que se esquece de que racismo é crime e despeja comentários racistas nas redes sociais. Um machismo ao mesmo tempo recreativo, no culto às mulheres-objetos, hipócrita (geralmente os machistas riem quando são assim acusados) e vingativo (ainda se matam muito mulheres por causa de um tolo ciúme) e que chega até mesmo a situações surreais.

Só um exemplo desse surrealismo. Se um homem fuma demais e presume-se que ele pode contrair câncer já aos 50 anos, se ele for músico de rock pesado, a sociedade moralista até torce para ele morrer cedo. Se ele é um ator de teatro de vanguarda, a mesma sociedade fica triste, mas se conforma. Mas se ele é um homem de status que assassinou a própria mulher, a sociedade se revolta.

Infelizmente, o estranho moralismo brasileiro acredita que feminicidas conjugais "não podem morrer" (mulher é "troféu" que pode ser quebrado, marido é "deus" que não pode falecer um dia?) e, se de fato morrem, a imprensa não noticia, omite, mesmo se o dito cujo tenha dominado os noticiários nacionais quando era levado para a prisão ou para o julgamento, ou mesmo quando libertado da prisão.

O Brasil sucumbiu a esse atraso social tão terrível que o país está vulnerável e praticamente incomunicável com os novos tempos. Houve alerta de celebridades, incluindo a atriz Susan Sarandon (atualmente na série Feud: Bette and Joan) e o cantor Harry Belafonte (do clássico "Banana Boat Song") sobre os abusos da plutocracia política e jurídica no Brasil, além de técnicos de alto gabarito da ONU, e o país reagiu com indiferença e negligência.

Para piorar, os "espíritas", tão tidos como "progressistas" e "esclarecedores", estão cada vez mais pregando a Teologia do Sofrimento, corrente de origem medieval da Igreja Católica, que trata a desgraça humana como virtude e "trampolim" para as graças divinas. Esse "quanto pior, melhor" do "movimento espírita" mostra o quanto a doutrina brasileira está sintonizada com o cenário de retrocessos sociais profundos.

O Judiciário, o Ministério Público e a Justiça Federal também cometem abusos, como se eles também fossem detentores de poderes divinos. Manipulam as leis conforme as conveniências enquanto eventualmente realizam rituais de "condução coercitiva" desnecessários para convocar suspeitos da Lava Jato para depor. Nesses rituais, policiais invadem a casa do suspeito, reviram os objetos da casa e intimidam familiares, como se estivessem nos tempos do DOI-CODI da ditadura militar.

Fizeram isso com Lula, com policiais furtando objetos e revirando a casa, assustando a esposa Marisa Letícia. Consta-se que isso foi um passo para a morte dela, que era uma ex-fumante e voltou a fumar, e depois sofreu um AVC. Para piorar, ainda recebeu uma "bênção" do anti-médium goiano João Teixeira de Faria, o João de Deus, que agravou ainda mais a doença da ex-primeira-dama, que parecia até sob controle mas, "por coincidência", sucumbiu para a morte depois dessa "bondade espírita".

Recentemente, fizeram o mesmo com o jornalista Eduardo Guimarães, só porque ele havia revelado informações de bastidores da outra condução. Ele, que tem uma filha que mantém tratamento contra uma grave doença, teve a casa invadida e revirada e foi detido de maneira agressiva. O porteiro foi proibido de comunicar a entrada da PM no prédio, e Eduardo não pôde comunicar a prisão para seu advogado e se manteve detido incomunicável com as demais pessoas. Eduardo foi depois liberado.

Diante da banalização das encrencas e confusões de celebridades e subcelebridades, políticos e empresários, o "alto clero" social de religiosos, banqueiros e juristas tenta estar acima do bem e do mal, mesmo também com sérias contradições e equívocos graves colocados debaixo do tapete. A ilusão de superioridade social os faz ainda mais acreditarem que podem tudo e que nada pode contra eles.

A situação é mais assustadora quando se notam que os chamados brasileiros comuns estão felizes, como se vivessem o melhor dos dias. Não percebem a catástrofe brasileira que está em volta, E ainda riem quando se observam, se não na grande imprensa, mas na Internet, que os abusos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mais o Ministério Público e a própria grande mídia, como se isso fosse um programa humorístico e não uma ameaça à segurança político-institucional do Brasil.

As pessoas que detém privilégio até para tirar a vida de outrem ou invadir páginas na Internet, ou mesmo as mais "moderadas" que apenas vivem da "boa palavra" do discurso religioso, se incluem nessa ilusão dos poucos que acham que podem tudo.

No "espiritismo", a postura persistente de se contradizer, deturpando os ensinamentos de Allan Kardec em prol de um igrejismo retrógrado, tendenciosamente apoiado por "mensagens positivas", mas alegando "rigorosa fidelidade" ao pedagogo francês, revela o quanto o prestígio religioso é usado para abafar os questionamentos da desonestidade doutrinária que mancha o Espiritismo na forma como ele é praticado no Brasil.

Alguma coisa tem que acontecer, porque o alto da pirâmide está pegando fogo e não se pode apagar o incêndio com sopros de nada. As pessoas "de cima" estão tomadas de completa ilusão, que as faz prepotentes ou triunfantes em tudo, passando por cima de encrencas causadas por seus próprios erros, não raro propositais.

Os "espíritas" não estão fora dessa, pela deturpação do legado kardeciano que é feita em um bombardeio de livros e palestras para milhares e milhares de pessoas durante anos. Com tarefas assim feitas de forma tão maciça e durante longo tempo, é impossível aceitar que os deturpadores da Doutrina Espírita tenham feito isso "sem querer".

A plutocracia está forçando a marcha-a-ré social do Brasil, para, pelo menos, os padrões de democracia castrada de 1974. Isso para não dizer outros retrocessos que vão para antes de outras conquistas históricas, como antes do trabalhismo de 1930-1945, antes da Lei Áurea e até antes do Grito da Independência. O Brasil está naufragando numa onda de retrocessos sem fim, e é ainda mais assustador ver nas ruas a felicidade despreocupada das pessoas, uma despreocupação que preocupa.

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