segunda-feira, 29 de maio de 2017

Brasil é tomado de espíritos vindos da Idade Média


A onda de retrocessos que acontece no Brasil e os surtos de saudosismo doentio que tomam conta de setores da sociedade brasileira - uns querendo uma volta a 1974, outros a antes da Revolução de 1930, outros antes da Lei Áurea, e outros para o século XVIII - revela que o país tornou-se um "depósito de lixo" do Primeiro Mundo.

Desde que o Brasil surgiu como "exílio" de degredados, até parece que seus paradigmas permaneceram, apenas com adaptações do tempo. De corruptos a estupradores, passando por pessoas ainda apegadas à libertinagem moral, eles parecem não apenas resistir ao tempo, mas praticamente serem "donos" da sociedade brasileira.

A luta do moralismo extremo, punitivo e vingador, e da libertinagem convicta, impulsiva e inconsequente, pela supremacia social é notória. Somos o país do "funk" libertino e dos movimentos neo-fascistas "caboclos" (que defendem Jair Bolsonaro e afins). Somos o país em que se queimam ônibus por uma simples raivinha, que manipulamos leis ao sabor de convicções de privilegiados, e que nos assustamos ao ver o "topo da pirâmide" arder em chamas.

A crise extrema que vive o governo de Michel Temer, que em seus doze meses de vigência não gerou mais do que uma sucessão de escândalos que só se agravaram com o tempo, revela o quanto hoje a sociedade de espíritos medievais tenta desesperadamente uma marcha-a-ré humanitária, forçando o retorno a um passado que não faz sentido.

Aliás, a um passado, não. Dependendo das intenções, volta-se a 1974, ou a antes da vinda da família real portuguesa (1808, marco dos primeiros processos de modernização do Brasil), na busca paranoica e doentia de antigas vantagens sociais que não podem mais ser recuperadas.

Dentro disso, a sociedade ainda imagina que o Brasil está preparado para o futuro, ou que muitos dos paradigmas que, na verdade, são retrógrados, são vistos como "modernos". Propostas como a reforma trabalhista e a previdenciária do governo Michel Temer revelam o quanto o "velho" tenta se impor com o rótulo de "novo".

Até pouco tempo atrás, novidades só eram introduzidas no Brasil mediante o pacto com forças retrógradas. Deste modo, em vez de uma novidade romper com paradigmas velhos, ela se adapta a eles, de forma que a essência original desapareça e se reduza apenas a uma fachada para um fenômeno velho que é reciclado e "renasce" sob um novo rótulo.

Sabe-se que até a Doutrina Espírita foi vítima disso. Ela acabou sendo introduzida de maneira distorcida, através do pioneiro deturpador Jean-Baptiste Roustaing, e os esforços de tentar recuperar as bases originais de Allan Kardec foram em vão, mesmo quando a "fase dúbia", vigente desde 1975, prometesse um suposto equilíbrio entre Ciência, Fé e Religião (embora Kardec, em vez de Religião, falasse apenas Moral).

A compactuação das ideias espíritas originais com o igrejismo roustanguista formatou um suposto Espiritismo feito no Brasil que se revelou profundamente igrejista. Até as promessas de "recuperação das bases kardecianas" se limitou à "letra morta" (ou "desencarnada"?) das palestras e artigos pedantes, que só mascaravam o igrejismo extremado, que aos poucos retomou o antigo vigor roustanguista, através do acolhimento da Teologia do Sofrimento.

Num contexto em que as redes sociais da Internet se transformam em versões tecnológicas dos antigos feudos medievais, ou, na melhor das hipóteses, em tímidas maçonarias, o "espiritismo" brasileiro está se transformando num Catolicismo medieval repaginado, um "outro Catolicismo" mais conservador escondido por baixo da fachada atraente que nunca desperta suspeitas.

O projeto da "pátria do Evangelho" atribuído ao Brasil por Francisco Cândido Xavier revela uma teocracia bastante perigosa. A experiência prova, como nos casos do Império Romano, da Alemanha ou mesmo do capitalismo dos EUA, que atribuir uma nação como um "centro do mundo" sempre sugere um poder centralizado, potencialmente autoritário e sanguinário.

Os "espíritas" contam até com uma arma perigosa, para o caso de uma teocracia "espírita", que pode "justificar" a eliminação de opositores: osmitos dos "resgates coletivos" e dos "reajustes espirituais", já que o "espiritismo" brasileiro defende a culpabilidade das vítimas sob o pretexto de que elas, ao sofrerem desgraças ou tragédias, estão "pagando por merecer".

A percepção das pessoas, mesmo a ignorância e o deslumbramento - principalmente quando se vê, na propaganda "espírita", paisagens celestiais de céu azul e nuvens brancas e ilustrações com coraçõezinhos vermelhos como cerejas - , também é uma percepção medieval, porque há uma compreensão simplória da vida na qual certas armadilhas não conseguem ser identificadas.

Hoje o Brasil precisa rever seus pontos de vistas e suas abordagens. No alto da pirâmide, observa-se que o governo Michel Temer, a grande mídia (como Rede Globo e revista Veja), o Supremo Tribunal Federal, a Operação Lava Jato, todos estão sucumbindo a contradições e desentendimentos aqui e ali, desafiando a confortável percepção, vigente até pouco tempo atrás, de que se tratava de um grupo comprometido com a coerência, a transparência e a imparcialidade.

No caso do "espiritismo", ainda há aqueles que tentam justificar a deturpação e querer que os próprios "médiuns" deturpadores "recuperem Kardec". Algo como pedir para as raposas reconstruírem o galinheiro. O Brasil precisa abrir mão desse ponto de vista que nada traz de positivo.

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