segunda-feira, 22 de maio de 2017

"Espiritismo" e o poder descomunal da Rede Globo


Existe uma frase irônica que diz que o Brasil é uma concessão da Rede Globo. O poder descomunal e sem limites da rede televisiva, surgida em 1965, se expressa na determinação de comportamentos, costumes, gírias, visões de mundo, vestuários e até gosto musical, com um poder manipulador sem precedentes na História do Brasil. A Globo até escolhe e derruba presidentes da República de acordo com seus interesses estratégicos, se comportando como se fosse um partido político.

Se você fala "balada" para definir a "vida noturna" ou "galera" para definir todo tipo de grupo social, acha o ex-presidente Lula "o maior corrupto do Brasil de todos os tempos", adora ver futebol nos fins de noite de quartas-feiras, enxerga a realidade como se fosse uma novela e acha que tratar bem as crianças é fazer festinha todo fim de semana, isso significa que não há escapatória: você de alguma forma é influenciado pela Rede Globo, por mais que odeie a emissora.

Muitas pessoas também falam "cliente" em vez de "freguês", a ponto de alguns imaginarem por que Eduardo Paes, afeito a tantas tolices, não determinou a mudança de nome de dois bairros homônimos cariocas, na Ilha do Governador e em Jacarepaguá, de Freguesia para Clientela. Também é influência da Globo, que chegou ao ponto de definir como será o vocabulário a ser falado pela população.

Os "espíritas" também não sabem que a imagem de "filantropo" associada a Francisco Cândido Xavier, tão tida como "espontânea" e "natural", também é fruto da manipulação da Rede Globo, que precisava de um ídolo religioso "ecumênico" para tentar neutralizar a ascensão de pastores neopentecostais que arrendavam horário em emissoras concorrentes, como Edir Macedo, mais tarde dono da Rede Record.

Chico Xavier já era um ídolo religioso inventado pela habilidade publicitária do então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, para impulsionar a venda de livros. Reunindo estereótipos de devoção católica, ingenuidade caipira e o apelo sensacionalista da suposta paranormalidade, Chico Xavier tornou-se um mito arrivista, mais próximo de um velocino de ouro do que de um equivalente brasileiro de Jesus de Nazaré, personalidade já bastante deturpada por católicos e evangélicos.

O mito de Chico Xavier, no entanto, era bastante confuso nas mãos do agressivo Wantuil. E a alegação, depois mentirosa, de que Chico "recebia" mensagens de literatos mortos, só causou problemas e foi essa malandragem que acabou trazendo ao "espiritismo" brasileiro as energias malévolas que acabaram permanecendo neste movimento religioso, por mais que seus líderes e adeptos reneguem tal realidade.

Chico Xavier era blindado pela Rede Tupi, o que mostra o quanto o poder televisivo adora mitos que misturem paranormalidade e beatitude católica. Um "católico sem ser católico" é o que o "espírita" acabou se tornando, virando uma marquize de fé para católicos não-praticantes com preguiça de encarar a ginástica do senta-e-levanta das missas dominicais.

Mas, morto Wantuil, Chico Xavier passou a ter o mito "redesenhado" pela Rede Globo de Televisão. Eliminaram-se os aspectos confusos e, da "mediunidade", destacou-se menos a suposta comunicação com os intelectuais do além-túmulo e se enfatizou mais as "cartas" dos "anônimos falecidos".

Fora esse detalhe, o mito de Chico Xavier obedeceu rigorosamente o roteiro que o inglês Malcolm Muggeridge bolou para outro mito religioso duvidoso, Madre Teresa de Calcutá. Tida como "símbolo de caridade", Madre Teresa, que por ironia se assemelhava fisicamente à Bruxa do Mar (Sea Hag, em inglês), vilã das estórias do Popeye, foi mais tarde denunciada pelo jornalista Christopher Hitchens por ter mantido doentes e miseráveis em condições sub-humanas em suas "casas de assistência".

Chico Xavier, que defendeu o golpe militar de 1964 e apoiou a ditadura, com suas próprias palavras, num programa de TV de grande audiência - e, hoje, também muito visto no YouTube - , seguiu o mesmo roteiro de Muggeridge: chegava a uma "casa de caridade", era recebido pela multidão, carregava bebê no colo, saudava populares, cumprimentava miseráveis nas ruas, entrava na casa, via doentes na cama e meninos pobres tomando sopa e depois ia à mesa no salão dar depoimentos que vão virar frases de efeito, supostos "pensamentos de sabedoria".

A Rede Globo, portanto, recriou Chico Xavier de uma forma "limpa", adaptando para o contexto brasileiro o roteiro de Malcolm Muggeridge no documentário sobre Madre Teresa e aplicou a fórmula em seus programas jornalísticos, a partir de uma edição do Globo Repórter, mas depois seguida pelo Fantástico e pelo Jornal Nacional.

As pessoas que levam naturalmente a abordagem televisiva como se fizesse parte de suas vidas pessoais passou a assimilar o mito de Chico Xavier naturalmente. Sem a batina católica, o "médium", promovido a um pretenso filantropo - praticando o mesmo Assistencialismo que serve para a promoção pessoal do apresentador Luciano Huck - , servia tanto para alimentar as fortunas dos dirigentes da FEB e federações regionais quanto para reforçar o poder da Rede Globo.

No primeiro caso, considerando que o poder centralizador da FEB deu lugar a um poder relativo frente às federações regionais, já que estas comandavam a "fase dúbia" do "movimento espírita" (um igrejismo fantasiado de "recuperação das bases kardecianas"), o mito de Chico Xavier, sem as confusões pitorescas da Era Wantuil, criava a esperada estabilidade de um ídolo religioso que fazia o "milagre" de vender livros e outros produtos que enriquecessem os cofres dos dirigentes "espíritas", sob o pretexto do "pão dos pobres".

No segundo caso, se permitia a popularização de um "católico sem batina" cujo apelo poderia ser "ecnumênico", atingindo, se possível, até os ateus. É um grande truque publicitário, que faria com que um ídolo religioso fosse adorado "sem pretensões" e "sem vínculos institucionais", ou seja, um ídolo religioso que ultrapassasse barreiras da própria religião "espírita", de forma a barrar a influência dos pastores eletrônicos das seitas neopentecostais, derivadas da pioneira Igreja Nova Vida.

Com isso, empurrava-se a adoração do moderno "velocino de ouro" que sempre foi Chico Xavier, alvo de doentias paixões religiosas (tão perigosas quanto as paixões do sexo e da fortuna) até para setores das esquerdas, em que pese o "médium" ter esculhambado os movimentos sociais, como camponeses e operários, na TV, e ter defendido a ditadura militar, pedindo para o povo orar em favor de generais (e, por conseguinte, torturadores) que "construiriam o reino de amor do futuro".

A "bondade" de Chico Xavier é tão fictícia quanto uma novela da Globo, pois vemos que sua "caridade" quase nada ajudou. Era muita ostentação para atos frouxos de mero Assistencialismo, parecidos com os que Luciano Huck faz ultimamente, que trazem muito pouca ajuda, não transformam a sociedade e só servem para a promoção pessoal do "benfeitor", idolatrado em excesso pelo muito pouco que fez.

Foi uma campanha tão bem construída que criou uma falsa unanimidade, o que mostra o quanto os efeitos da fábrica de consenso podem ser produzidos. A Globo determina que gíria deve ser falada ou que ídolo religioso deve simbolizar um paradigma de "bondade" que garanta o sossego dos privilegiados extremos, "resolvendo" a pobreza sem ameaçar as fortunas dos ricos e poderosos, e criando uma figura que se torna alvo de idolatria cega típica das mais mórbidas paixões religiosas.

As pessoas acabam achando tudo natural, assimilando o que a TV determina como se fosse a voz de suas próprias consciências. Isso é muito perigoso e mostra o quanto a mente de um executivo da Rede Globo pode, depois, se converter numa suposta vontade popular a ponto de ser endossada até mesmo por aqueles que aparentemente odeiam a emissora. Se a Rede Globo consegue exercer sua influência até nos seus detratores, isso significa um perigoso privilégio de poder. Um poder descomunal.

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