sexta-feira, 19 de maio de 2017

Nos acostumamos mal com o "espiritismo" deturpado


O Brasil vive uma situação vergonhosa. Se acostuma fácil com absurdos e realidades surreais, convivendo com eles durante décadas, a ponto de reagir, não só com estranheza, mas com certa indignação, quando se revela a verdadeira natureza de tais absurdos.

Há pelo menos 73 anos, convivemos com um "espiritismo" que fingimos estar de acordo com as ideias de Allan Kardec. De fato, o "espiritismo" brasileiro era deturpado até uma década antes da fundação da Federação "Espírita" Brasileira, mas ele se consagrou quando a Justiça se recusou a punir a farsa "psicográfica" de Francisco Cândido Xavier e seu "Humberto de Campos" que falava mais como um melancólico padre católico do que o altivo intelectual que era o autor maranhense.

Coisas absurdas, quando se consagram, ganham um aspecto de falsa estabilidade. É como num cálculo complexo de Matemática, que envolve várias operações, das quais a primeira é feita de maneira errada, enquanto as outras aplicadas corretamente. O resultado será sempre errado, mas o aparato dos bons cálculos depois do primeiro malfeito dá a falsa impressão de ser um cálculo corretíssimo do começo ao fim.

As pessoas não percebem o fedor de certos ambientes, as armadilhas sob a relva, o excesso de "açúcar" em palavras e narrativas aparentemente belas, e permanecem nas zonas de conforto de tal forma que acreditam até em maneiras erradas de sair da zona de conforto.

Vivemos num país cheio de erros gravíssimos e achamos natural. Muitos tentam até manter essa situação, porque lhes parece agradável, misturando pompa excessiva, pieguice e falsa modéstia aqui e ali. Como numa operação matemática começada errada, as pessoas tentam criar uma falsa estabilidade num contexto social brasileiro que deixa o resto do mundo de cabelos em pé.

Ser medíocre, sórdido e dissimulado, no Brasil, é erroneamente considerado como originalidade, e isso nunca fez o país sair da situação viciada em que se atola, se apegando a paradigmas de atraso diante de várias desculpas, como a falsa promessa do atraso "se modernizar" e do sórdido se "limpar", além de sempre apelarmos para o "velho" para conduzir o "novo" no nosso país.

Para conduzir a Doutrina Espírita, por exemplo, apelamos para um caipira ultraconservador, com uma mentalidade ainda apegada ao Segundo Império e que era um católico ortodoxo, de inclinação medieval. E o pior é que as pessoas se apegam a ele por uma idolatria cega e excessivamente piegas, que também é uma demonstração de um sentimentalismo velho, que cheira a mofo tóxico misturado com poeira forte acumulada há muitos e muitos anos.

Sim, estamos falando exatamente de Francisco Cândido Xavier, do Chico Xavier que ainda é alvo de extrema idolatria de seus fanáticos seguidores ou de simpatizantes que, agindo por boa-fé, se deixam levar pelo estereótipo do "velhinho frágil" de "sorriso choroso" que representa velhos paradigmas de devoção religiosa e virtudes morais ideologicamente conservadoras.

O Brasil é extramente conservador e frequentemente nos chocamos quando vemos pessoas que pareciam modernas se revelarem tão obscurantistas. Não se trata apenas de um rebelde Lobão, roqueiro que se revelou ultrarreacionário, nem de jovens com aparência de surfistas que nas redes sociais defendem a intervenção militar e se declaram fãs de Jair Bolsonaro.

Mesmo pessoas tidas como progressistas, como artistas performáticos, ativistas feministas, pessoas de comportamento provocativo etc, se revelam conservadoras. O Brasil acumulou tanto seu conservadorismo que aqui o feminismo precisa negociar duplamente com o machismo para ter vez na sociedade brasileira.

Nesta negociação, ou a mulher trabalha seu feminismo sob a "proteção" de um marido poderoso - seja ele empresário, político, executivo ou profissional liberal - , ou ela se submete ao machismo recreativo fazendo o papel de "objeto sexual".

Nos últimos tempos, diante da crise da hipersexualização brasileira, a cantora de "funk" Valesca Popozuda tornou-se remanescente entre aquelas que ainda se projetam não só com a imagem de "objetos sexuais" mas como arremedos sutilmente depreciativos da imagem da "feminista solteira", que no Primeiro Mundo nada tem a ver com "funk" nem com hipersexualização.

O que se vê é que o Brasil acumulou mofo em seus valores sociais. Mesmo quando havia os governos progressistas de Lula, o ultraconservadorismo social era latente, em muitos casos escancarado (como na campanha de veículos midiáticos como Rede Globo e Veja), em outros dissimulado (quando pessoas reacionárias em valores culturais fingiam um falso progressismo político visando obter vantagens e promoção pessoal).

Até a chamada "cultura popular" foi alvo de uma campanha que visava mais manter os padrões simbólicos da pobreza social - como o alcoolismo, a prostituição e o comércio de produtos velhos, piratas ou clandestinos - do que desejar melhorias ao povo pobre, que só poderia ser "assistido" pelo paternalismo da intelectualidade complacente, uma espécie de Assistencialismo cultural.

E aqui entra um grave problema que se torna a desculpa usada para defender os deturpadores do Espiritismo e garantir a reputação deles. É o Assistencialismo que, em muitos casos, é feito sob o rótulo de "Assistência Social".

Sabe-se que Assistência Social é uma filantropia que transforma profundamente, não raro ameaçando os privilégios dos ricos, enquanto o Assistencialismo é apenas uma filantropia pontual e parcial, que beneficia muito pouco e expõe mais o benfeitor, que se promove demais com tão pouca ajuda.

Não bastasse o "médium espírita" ser uma monstruosa aberração no Brasil, devido ao "culto à personalidade" que os ditos "médiuns" recebem por virarem dublês de pensadores a espalhar a deturpação espírita, eles, com seu arremedo de filantropia, representação típica do Assistencialismo que hoje é questionado através do exemplo midiático de Luciano Huck.

Poucos percebem o quanto é vergonhoso haver, no caso das caravanas "filantrópicas" de Chico Xavier, tanto espetáculo, tanta ostentação e tanta euforia, além de tanto aparato de fileiras de carros desfilando pelas cidades, só para uma mera doação de mantimentos e roupas velhas. Os mantimentos, entregues a famílias numerosas ou a muitos indivíduos pobres, se esgotam em duas semanas, mas o "carnaval" feito pelo Assistencialismo dura, no mínimo, um ano.

Poucos também percebem o quanto o suposto "maior filantropo do Brasil", Divaldo Franco, é tão festejado por sua Mansão do Caminho que não ajuda 1% da população brasileira, enquanto o suposto médium faz pomposas turnês pelas maiores cidades da Europa e dos EUA, fazendo palestras para ricos, recebendo medalhas e títulos e só trazendo migalhas para os assistidos, enquanto o bairro de Pau da Lima é entregue à criminalidade ocorrida até à luz do dia.

É até risível que os brasileiros endeusem demais quem ajuda pouco, achando que basta ter um rótulo religioso para ser considerado "filantrópico" (uma noção tipicamente medieval, submeter a bondade a um subproduto da religião). Isso quando os mesmos brasileiros são convidados a desmoralizar com muito ódio o ex-presidente Lula, que buscava resolver as mais aprofundadas desigualdades sociais com seu projeto político progressista de valorização do emprego e qualidade de vida.

Constatações assim chocam as pessoas, que, diante de um Brasil emporcalhado com valores retrógrados e injustiças sociais aprofundadas, se acostumam com essa realidade cruel e absurda, em muitos e muitos aspectos. Quando pensam em sair da "zona de conforto", jogam fora o que mais precisam, enquanto se apegam ao supérfluo, ao fútil e até ao nocivo.

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