quinta-feira, 17 de agosto de 2017

"Espiritismo" brasileiro e o fim da utopia da Nova Era


Para quem gosta de sonhar com a Nova Era, através de devaneios místicos e religiosos, melhor se contentar com ilustrações como a publicada nesta postagem, entre outras cuja beleza remete mais à imitação das estéticas de discos de rock progressivo do que de um prenúncio do que vai ser a humanidade no futuro.

A utopia da Nova Era, consagrada nos anos 1960 pelos movimentos de Contracultura e anunciada como "certa" na década de 1990, após a derrubada do Muro de Berlim em 1989, motivou o auge de muitos movimentos religiosos e esotéricos, levando multidões ao misticismo na esperança de se prepararem para os "novos tempos", sob a promessa de um "coração mais puro" e "energias mais favoráveis".

Livros de autoajuda e obras religiosas passaram a vender como pipoca na entrada do cinema. Gurus surgiram, desde o ramo empresarial da autoajuda - sob o rótulo de Empreendedorismo - até a religião "espírita", passando pelo modismo da "inteligência emocional", passaram a se projetar, prometendo "salvar o mundo" com um repertório de palavras bonitinhas.

E como o açúcar das palavras descia bem nos estômagos das almas sonhadoras, muitas pessoas passaram a atribuir o passaporte para o céu dos malabaristas das palavras, sempre em pose de mansuetude, voz doce, oratória habilidosa e um pedantismo confuso mas tão bem revestido de pretensa erudição que garante um equivocado mas apaixonado rótulo de "filósofo".

No "espiritismo" brasileiro, a utopia da Nova Era, que no contexto brasileiro só foi de fato efetivada nos anos 1990, pois na época hippie (1966-1970) o país vivia sob a ditadura militar, representou a consagração da "fase dúbia", aquela em que os "espíritas" bajulam Allan Kardec mas seguem o legado de Jean-Baptiste Roustaing, num falso equilíbrio doutrinário entre "místicos" e "científicos", que privilegia os primeiros.

A partir daí, palestras e congressos "espíritas", com cartazes com ilustrações futuristas e desenhos de humanoides em formas anatômicas, supondo pretenso cientificismo biopsicológico, surgiram mascarando o igrejismo com pedantismo intelectual, fazendo a fortuna e o prestígio de supostos médiuns, como Divaldo Franco, a fazer turismo pelo mundo com o balé de belas palavras, religiosamente piegas e intelectualmente ocas.

Tudo isso funcionou quando os retrocessos sociais, já latentes nos anos 1990, não eram explícitos e não pareciam ameaçar os relativos progressos sociais garantidos pela evolução tecnológica e pelos programas de bem-estar social, incluindo o controle nas economias dos países. A globalização sugeria uma utopia de que as fronteiras seriam rompidas e a solidariedade iria avançar por toda a humanidade, espalhando justiça social até em ambientes mais sombrios.

Só que tudo isso foi por água abaixo. A violência tornou-se maior, e cada vez mais praticada por pessoas de melhor condição econômica e supostamente com significativa educação moral. O reacionarismo tornou-se uma bandeira da rebeldia juvenil, contrariando a crença de que a juventude fosse um oásis de ideias progressistas e de vanguarda. O consumismo tornou-se desenfreado e até as religiões tornaram-se motivação não para a solidariedade, mas para o egoísmo e a cupidez.

O próprio "espiritismo" não tardou a revelar seus equívocos, gravíssimos. Depois dos últimos escândalos entre 1966 e 1975, envolvendo desde a farsa da "médium" Otília Diogo, que teve a cumplicidade de Francisco Cândido Xavier, até o fim da trajetória do prepotente Antônio Wantuil de Freitas à frente da FEB, passando por uma ameaça de publicação, pela FEESP, de traduções ainda mais roustanguistas da obra kardeciana, a "fase dúbia" nem de longe cumpriu o prometido equilíbrio.

A estabilidade forçada é mantida pelo "movimento espírita" pela sorte de muitos acordos, seja entre diferentes expositores "espíritas" que mantém a sua "diversidade doutrinária" (eufemismo para visões pessoais sobre temas e práticas doutrinários), seja entre eles e a Justiça, que nunca investiga as irregularidades doutrinárias (que envolvem até falsidade ideológica em obras "mediúnicas"), e a grande mídia, que sempre divulga uma imagem positiva do "espiritismo" brasileiro.

É, portanto, uma estabilidade forçada pelas circunstâncias, num momento em que o "topo da pirâmide social" vive em acordos sucessivos que evitem o desgaste definitivo da plutocracia, mesmo diante de graves crises e escândalos de arrancar os cabelos. Se existe até acordo para a imprensa não publicar óbitos de criminosos ricos, que "desaparecem" como semi-deuses em "ascensão ao Senhor", então tudo é feito para que a Torre de Babel contemporânea seja construída sem maiores conflitos.

Vivemos um período delicado de profundos retrocessos sociais e quando os maiores casos de sordidez humana se encontram em pessoas de significativo status social. A ilusão de que os erros graves se atenuam conforme a posição social de seu praticante, crença ainda persistente em muitas pessoas, anestesia a sociedade e abre caminho para pessoas ainda mais perversas que se protegem pela marquize do prestígio, do dinheiro e da visibilidade.

Com os profundos retrocessos sociais, o "espiritismo", ele mesmo perdido em tentar explicar a suposta "fidelidade a Kardec" mediante o apreço às ideias de J. B. Roustaing, se encontra na mais aguda crise, que atinge níveis insustentáveis. A esperança dos deturpadores da Doutrina Espírita comandarem mais uma promessa de "recuperação das bases espíritas originais" continua forte, mas ela será sempre inútil, porque os defeitos serão sempre mantidos.

Essa promessa já foi dada há 40 anos, deu na "fase dúbia" que conhecemos e o resultado foi desastroso. O "espiritismo" ganhou em popularidade, sobretudo com a blindagem da Rede Globo aos "médiuns espíritas", até hoje tidos como "intocáveis", mas aumentou sua hipocrisia, pois seu igrejismo de herança roustanguista nunca esteve tão fortalecido, apesar de tantas e insistentes alegações de "respeito rigoroso e fidelidade absoluta" ao legado kardeciano.

E agora com os tempos sombrios em que se vive, e o questionamento dado às utopias místicas e esotéricas que prometeram a "salvação da humanidade", o sonho da Nova Era se esfacela e põe em xeque as doutrinas e movimentos que se apoiaram nessa ideia, incluindo o próprio "espiritismo" brasileiro.

É possível que, num prazo mais tardio, a humanidade se evoluirá, mas a perspectiva será muitíssimo diferente do que sonhavam as utopias místicas e esotéricas, incluindo alguns movimentos religiosos. Novos paradigmas se formarão que escaparão das predições igrejeiras de gurus de ocasião, pretensos profetas, falsos sábios e, sobretudo, os "médiuns espíritas" que, aos poucos, veem a posse da verdade escaparem de suas mãos.

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