terça-feira, 14 de novembro de 2017

Por que estamos falando muito do caso Divaldo Franco-farinata?


ALIMENTO PODERIA TER CAUSADO INTOXICAÇÃO, SE FOSSE OFERECIDO PARA ESCOLAS E INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS.

Muitas pessoas estão apavoradas, diante da associação de Divaldo Franco ao episódio da "farinata" do prefeito de São Paulo, João Dória Jr.. O estranho alimento, condenado por nutricionistas e ativistas sociais por não conter dados nutricionais conhecidos e representar uma ofensa à dignidade humana, abalou seriamente a reputação do político.

Mas a associação de Divaldo assustou as pessoas, que evitam ler as páginas que tratam do delicado assunto, tão medrosas e tomadas do mais completo e preocupante apego à imagem adocicada de um "médium", sempre envolta de flores, céu azul, nuvens brancas e sol, como se fosse uma fada-madrinha de contos de fadas. Só de ver o título, evitam ler textos que iriam derrubar suas ilusões e fantasias em torno de um mito religioso.

"Tem certeza disso? Quem foi que disse essa mentira?", arriscam-se a dizer, chorosamente, muitos. Só que essa "mentira" pode ser facilmente identificada pela camiseta apresentada por João Dória Jr. em fotos divulgadas amplamente pela imprensa em todo o país.

Portanto, foi João Dória Jr. que revelou essa associação, e, até agora, Divaldo Franco não processou o prefeito de São Paulo pelo uso de seu nome e do nome de seu evento. Dória, um representante das elites, poderia ter aparecido no evento apenas de paletó e camisa comum de colarinho.

O fato de Dória ter aparecido, no Você e a Paz, com camiseta do evento, casaco esportivo e tênis, é até irônico para sua sociedade, porque no contexto das elites existem empresários, economistas, advogados e até médicos que usam terno e sapatos sem a menor necessidade, até para comprar pão na esquina, um passeio num shopping ou para ver uma tola comédia de cinema com a esposa num domingo.

O vínculo de imagem é coisa séria. O fato de João Dória Jr. usar a camiseta do Você e a Paz e Divaldo consentir o uso do evento e de seu nome e ainda oferecer o encontro para homenagear o prefeito indica compromissos e responsabilidades graves. Admitir isso não é intolerância religiosa nem perseguição a um "homem de bem". São fatos reais e decisões graves que o prestígio religioso não pode pôr debaixo do tapete.

Não se usa o prestígio da fé para acobertar más decisões. É muito fácil dizer que um "médium", ao cometer um deslize grave, "fez sem saber". Muito provavelmente, o próprio Allan Kardec teria feito cobranças similares a Divaldo, o pedagogo francês, com sua firmeza e coerência, teria sido "tão chato" quanto nós ao cobrar responsabilidades de um "médium" que abriu seu evento para o lançamento de um alimento duvidoso e depois saiu de fininho.

POR SORTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS

O que faz nós batermos a tecla neste assunto ocorrido há um mês e, aparentemente, está superado, se deve a vários fatores. Um é o silêncio da imprensa, que fez vista grossa para a camiseta que João Dória Jr. ostentava claramente para o Brasil e para o mundo. Outro é o risco que um alimento de caráter duvidoso poderia causar, se fosse realmente lançado.

O que faz tranquilizar muitos incautos é a sorte das circunstâncias. O silêncio generalizado da imprensa evitou que se produzisse um escândalo de grandes proporções no "movimento espírita". O fato mais aberrante é que a imprensa de esquerda também compartilhou desse silêncio, porque, se fosse a imprensa conservadora, de direita, isso seria compreensível, porque esta, a partir da Rede Globo de Televisão e do Grupo Abril, faz blindagem com os "médiuns espíritas".

Aparentemente, a imprensa de esquerda parece ser tomada de um paulistocentrismo, uma concepção, um tanto bairrista, de coisas que acontecem em São Paulo. Essa visão faz crer, por exemplo, que o poder midiático só se expressa em empresas com escritórios na capital paulista - o que, erroneamente, credita como "mídia alternativa" a Rádio Metrópole FM, de Salvador, do barão midiático Mário Kertèsz - , embora tal ilusão, se usasse como parâmetro ter escritórios em Nova York, também faria muito veículo da grande mídia hegemônica brasileira parecer "mídia alternativa".

O paulistocentrismo permitiu à imprensa de esquerda uma certa "desinformação" de que Você e a Paz é um evento idealizado e comandado por um "médium espírita". Acreditaram, ou, talvez, fingiram acreditar, que o Você e a Paz, só por envolver mais de uma religião (o encontro acolhe setores do Catolicismo e do Protestantismo), foi um evento promovido por uma entidade católica local, a Arquidiocese de São Paulo, e o arcebispo dom Odilo Scherer pagou sozinho o apoio à "farinata".

Outro aspecto é que, simplesmente, a má repercussão evitou o lançamento da "farinata", o que, por sorte, fez com que a potencial ameaça não ocorresse, embora haja denúncias de que, numa instalação da Missão Belém em Jarinu, no interior paulista, catorze internos, vários ex-moradores de rua, teriam morrido por causa do consumo constante de "farinata", tendo supostamente servido de "cobaias humanas" do alimento feito a base de restos de comida de procedências duvidosas diversas.

QUEDA DE REPUTAÇÕES

Imagine, porém, se o alimento tivesse lançado e, pouco depois, ocorresse uma série de intoxicações alimentares de alunos da rede pública de São Paulo que passaram dias se alimentando a base de "farinata", com algumas mortes? Seria muito grave, para um "médium" que diz responder todos os assuntos, ter oferecido um evento para um composto alimentar muito perigoso.

Paciência. Vivemos tempos em que reputações andam caindo. O ator José Mayer, meses atrás, foi denunciado por assédio sexual, chocando muitos de seus admiradores. No exterior, o premiado produtor de Hollywood, Harvey Weinstein foi também denunciado por atos similares. Há poucos dias, o badalado jornalista da Rede Globo, William Waack, foi flagrado num vídeo no qual afirmava, sob risos, que "buzinar era coisa de preto".

Nenhum prestígio autoriza a pessoa a fazer o que quer. O que chamamos a atenção, e as pessoas se recusam a admitir, é que o prestígio religioso também não tem essa autorização, pouco importando se o sujeito está ou não "mais próximo de Deus".

Divaldo Franco tinha toda chance de cancelar a homenagem a João Dória Jr., se soubesse do risco que o produto que o prefeito iria lançar representaria. Também faltou a Divaldo a firmeza de um verdadeiro líder, que poderia muito bem exigir do alimento o rigor de exames e documentos confirmando se o produto era ou não uma ameaça à saúde pública. E logo Divaldo, que se julga o "maior e mais correto (sic) discípulo de Allan Kardec" no Brasil!

QUALQUER ALIMENTO NECESSITA DE EXAMES TÉCNICOS PARA CHEGAR AO MERCADO

Exigir exames e documentos não é falta de misericórdia. Todo alimento precisa desses exames técnicos. Mesmo os produtos mais conhecidos dos brasileiros, como um leite em pó ou uma salsicha de marcas bem conhecidas, não são postos no mercado sem antes haver exame rigoroso, pelo qual se obtém documentação, vistoria e avaliação pelos ministérios da Saúde e da Agricultura.

O ministério da Agricultura só autoriza a comercialização do produto se ele passar por esses exames e receber, do referido órgão, o carimbo de qualidade. Pode ser leite Ninho, salsicha Sadia, manteiga Qualy, tantos outros, nenhum deles é lançado sem passar por esses exames.

Daí que foi muito, muito grave a decisão de Divaldo Franco de oferecer seu evento para lançar a "farinata", sem ter a firmeza e o rigor de seu alegado mestre francês. Se um prefeito de Paris se dirigisse a Kardec para pedir que este lançasse um composto alimentar, é bem provável que o pedagogo exigisse uma comprovação técnica e uma documentação rigorosa a respeito, talvez dizendo as seguintes palavras:

"Tenho muita consideração à sua pessoa e à sua qualidade de amigo, mas sinceramente me recuso a atender esse favor, no desconhecimento completo que eu tenho da natureza desse alimento. Há garantias de que ele é processado com os cuidados de higiene necessários? As entidades sérias de saúde pública e nutrição já avaliaram previamente o produto? 

Eu, pessoalmente, tenho muitas dúvidas a respeito desse produto e não acredito que ele, em si, possa atender sozinho às necessidades nutricionais dos mais pobres. Vejo em Vossa Senhoria uma pessoa com a qual tenho muita consideração, mas não posso chegar ao ponto de aceitar a sua solicitação sem que eu tenha a segurança necessária da qualidade desse alimento. 

No entanto, vendo a natureza do projeto que me é apresentado, prefiro, pessoalmente, não atender ao seu pedido, pois não me cabe me responsabilizar por algo que considero bastante incerto e duvidoso. Espero que compreenda".

O que Divaldo Franco fez, foi, portanto, extremamente grave, porque ele ofereceu o evento dele para o lançamento oficial do produto. Isso não é invenção, é fato, está claro na camiseta exibida por João Dória Jr. que aparece nas fotos da imprensa. O mais grave, ainda: Divaldo permitiu o lançamento de um alimento que não só careceu de exames técnicos, como foi previamente condenado por entidades de saúde pública e nutrição e movimentos sociais que viam nele uma ofensa à dignidade humana.

Não se pode acobertar as coisas sob o pretexto do prestígio religioso. Divaldo, na intenção de evitar o risco de brigar com os parceiros católicos e evangélicos do Você e a Paz e de decepcionar o prefeito homenageado, deixou ocorrer um risco maior, que é o de oferecer o evento para o lançamento oficial de um alimento previamente condenado.

O silêncio da imprensa não inocenta Divaldo, que deve ser responsabilizado pelo seu ato. Ele terá agora que abrir mão de sua "perfeição" e que, se os brasileiros forem menos ingênuos, que devolvessem os volumes da série Divaldo Responde às livrarias, cobrando desembolso do dinheiro gasto, porque foi constrangedor um homem que diz "ter respostas para tudo" não ter respostas sobre um alimento duvidoso. Vamos pôr a realidade acima das paixões religiosas, gente?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.