segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Desconfie de quem cobra a aceitação do sofrimento


Desconfie daqueles que cobram e insistem para que o sofredor aceite as desgraças que ocorrem na vida. Tenha pé atrás nos falsos conselhos dos que dizem que o infortúnio é o atalho para o Céu. Se afaste daquele que, ao ouvir de outrem o relato da pior desgraça, lhe diz que isso é a grande oportunidade de alcançar a felicidade.

Falácias como "a pessoa que sofre azar o tempo todo é a mais sortuda da vida, pois receberá o prêmio maior do alcance a Deus" e "dia de desgraça, véspera de bênçãos" resumem muito bem a hipócrita moral do "espiritismo" brasileiro, que comprovadamente se identificou com os postulados medievais da Teologia do Sofrimento herdada do Catolicismo jesuíta do Brasil-colônia.

Isso requer, no entanto, uma atenção muito grande, porque o "conselheiro" que, ao ouvir o outro se queixando de uma dificuldade acima do suportável, ao pedir a essa pessoa para aceitar essa triste situação, não o está fazendo com o sentimento amigo e fraterno tão atribuído aos "espíritas", mas um julgamento de valor moralista bastante severo e conservador.

Observemos bem, tomando como exemplo o movimento de uma balança. Se um lado está acima, é porque o outro lado está abaixo. No caso dos que cobram para as pessoas aguentarem as adversidades, mesmo além do limite suportável, sob a desculpa de que "são grandes desafios e aprendizados", é porque eles mesmos não sofreram um pingo das desgraças que acham bonitas quando são vividas pelos outros.

Quantos moralistas se regojizam quando é o outro que sofre, sentem um êxtase quando veem, por exemplo, que empregados esmagaram seus pés num acidente de trabalho e continuaram trabalhando até o fim de noite para receber umas poucas moedas, achando que isso é o caminho para a felicidade definitiva!

Quantos foram os que se autoproclamavam "emocionalmente solidários" diante de pessoas em sofrimento extremo! Quantos não disseram que os mendigos nas ruas são os "mais sortudos da misericórdia divina", quantos não falaram, extasiados, que "benditos são os pregos que ferem as mãos a ponto de sangrar, pois as cicatrizes das feridas são o carimbo da misericórdia de Deus"!

Ah, quantos Pilatos se escondem em falsos cristos, se divertindo, no entretenimento das "lindas estórias de superação" que as religiões, inclusive a "espírita", às custas do sofrimento do outro, que serve de espetáculo para a "masturbação dos olhos" a que se tornou, de forma tão fútil, a busca frenética e ensandecida por "estórias comoventes" para trazer às pessoas uma ilusão de "bondade" que elas mesmas são incapazes de desenvolver em situações normais.

E os palestrantes, sobretudo "médiuns"? Eles fazem turnês, lançam livrinhos, participam de eventos em hotéis cinco estrelas, conhecem os maiores monumentos do mundo desenvolvido, são hospedados e fazem refeições do bom e do melhor, recebem medalhas, diplomas, troféus e outros prêmios pelo pouco que fazem de "caridade", primeiro pensando na sua imagem "divinizada" diante do público, depois, e, talvez, em último plano, pensando nos mais necessitados.

E os membros dos "auxílios fraternos" dos "centros espíritas"? Eles que, mediante os tratamentos espirituais que oferecem, sempre aconselham as pessoas a suportar as adversidades, algo comparável ao de um médico que, sendo informado da doença de um paciente, lhe recusa a contribuir para uma cura, seja receitando remédios ou cirurgias, dependendo do caso.

Eles vivem do conforto e, se não da ausência de problemas, pelo menos da ausência das graves adversidades que eles aconselham seus atendidos a aceitarem. É como diz o ditado popular, "pimenta nos olhos dos outros é refresco". Pelo jeito, se a "pimenta" for fluidificada, melhor ainda, segundo a moral do "espiritismo" brasileiro e sua indústria de comoções baratas às custas da desgraça alheia.

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